Título: Tortura coloca Genro e Jobim em lados opostos
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 23/10/2008, País, p. A15

Ministério da Justiça decide fazer representação na OEA

Vasconcelo Quadros

BRASÍLIA

A anistia de torturadores dividiu o governo federal. Enquanto a Advocacia Geral da União (AGU) _ baseada em tese do Ministério da Defesa _ contesta na Justiça Federal de São Paulo a ação da Procuradoria da República contra os coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, o Ministério da Justiça decidiu ir à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) defender a responsabilização dos torturadores.

¿A decisão da AGU, na antevéspera da audiência da OEA, complica a defesa do Brasil perante aquela Corte ¿ diz o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Pires Abrão, designado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, para explicar, no próximo dia 27, em Wachington, as ações da pasta na reparação aos perseguidos pela ditadura militar. ¿ Tortura é um crime imprescritível e o Brasil precisa responsabilizar quem cometeu.

O presidente da Comissão de Anistia alerta que embora a audiência tenha caráter informativo, o governo brasileiro pode passar por constrangimentos por não punir os crimes de lesa-humanidade.

¿ O país pode ser condenado ¿ disse Abrão. ¿ O Brasil pode entrar no rol dos países que desrespeitam os direitos humanos e sofrer complicações diplomáticas e jurídicas.

Disputa

A polêmica provocou uma disputa na Esplanada dos Ministérios. De um lado estão os ministros Tarso Genro e Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos. De outro, Nelson Jobim, da Defesa, e José Antônio Toffoli, da AGU.

Afinado com Genro e Vannuchi, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ingressou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo que a lei de 1979, embora omissa, não anistia quem praticou tortura.

Responsável pela defesa da União em demandas jurídicas, o papel da AGU é um contraste num governo formado, em seu núcleo central, por ex-ativistas presos pela ditadura. Na defesa da União e, por tabela, dos acusados por tortura, os advogados usam os mesmos argumentos dos militares: os arquivos da repressão foram destruídos, a indenização que vem sendo paga aos perseguidos "traz um espírito de reconciliação e de pacificação nacional", os crimes já prescreveram, não reconhecem os tratados internacionais assinados pelo Brasil e defendem que a lei de anistia não seja modificada.

Num dos trechos, os advogados Gustavo Amorim e Lucila Garbelini, justificam que é necessário "preservar a intimidade de pessoas que não desejam reabrir feridas" e que os documentos que Ministério Público Federal, Ministério da Justiça e OAB querem abrir, podem trazer constrangimento a quem participou dos conflitos nos anos de chumbo. Os procuradores Eugênia Fávero e Marlon Weichert anexaram à ação da 8 Vara Federal de São Paulo, parecer do presidente do Centro Internacional de Justiça e Transição, dos Estados Unidos, Juan Méndez, afirmando que o Brasil viola os acordos "para não investigar nem punir os crimes de lesa-humanidade".