O Estado de São Paulo, n.46363, 24/09/2020. Internacional, p.A10

 

Europa prevê pagar países que aceitem refugiados; deportação será acelerada

24/09/2020

 

 

Fluxo migratório. Comissão Europeia tenta minimizar impactos da chegada de imigrantes em alguns países e cria regra que prevê o pagamento de R$ 64 mil para cada adulto que for acolhido; nações que se recusarem a aceitar estrangeiros terão de bancar expatriação

Um plano da União Europeia (UE) prevê que os países integrantes do bloco não sejam mais obrigados a aceitar imigrantes, mas recebam ¤ 10 mil (cerca de R$ 64,8 mil) por refugiado que abriguem. O projeto, que ainda poderá ser alterado, também acelera a expulsão dos que tiverem os pedidos de refúgio rejeitados e determina que as deportações sejam pagas pelas nações.

A Comissão Europeia, braço executivo da UE responsável pelo plano, reconheceu que o atual sistema não funciona. A proposta apresentada pela comissão acaba com a controvertida realocação compulsória dos imigrantes – um dos grandes entraves a um acordo firmado em 2016, que acabou não vingando. "O antigo sistema para lidar com a imigração na Europa não funciona mais", disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Pela proposta, seria criado o que foi chamado de "mecanismo obrigatório de solidariedade". Por esse dispositivo, o país que considerar que está sobrecarregado poderá acionar as demais nações, que terão a obrigação de prestar assistência material ou pagar pela deportação dos estrangeiros, caso decidam não abrigá-los.

Um dos objetivos do plano é desafogar os países mediterrâneos, que acabam recebendo um fluxo maior de imigrantes ilegais. Pela proposta, os governos receberiam ¤ 10 mil para cada adulto, financiados pelo orçamento da UE, como incentivo para receber refugiados ou requerentes de asilo resgatados no Mar Mediterrâneo.

Apelidado por críticos de "solidariedade à la carte", o programa visa dar fim ao impasse de quatro anos, quando a UE criou um sistema de cotas obrigatórias de refugiados no auge da crise migratória. Embora as propostas de mudanças tenham o objetivo de aliviar a pressão sobre os Estados que estão na linha de frente da recepção aos imigrantes, Itália, Grécia e Espanha ainda vão manter a responsabilidade pelo gerenciamento dos pedidos de asilo.

A chegada, em 2015, de pelo menos 1 milhão de imigrantes, a maioria refugiados em fuga guerra na Síria, desencadeou uma das maiores crises políticas da UE. O bloco debate desde então sobre quem deveria ter a responsabilidade pelos estrangeiros. Durante essa grande onda de refugiados, os países-membros responderam ao fluxo de maneiras diversas. Alguns ergueram cercas de arame farpado. Outros ignoraram os pedidos de socorro vindos de barcos de contrabandistas superlotados no Mediterrâneo. Alguns migrantes foram deixados para definhar em navios por semanas. Grupos de ajuda e cidadãos europeus enfrentaram acusações criminais por seus esforços para salvar vidas.

A queda de braço entre as nações continua, embora o número de estrangeiros não autorizados tenha diminuído nos últimos anos. Pelo menos 140 mil chegaram no ano passado, em comparação com cerca de 2 milhões que entraram legalmente no continente europeu, de acordo com levantamento da comissão. No ano passado, 491,2 mil pessoas foram obrigadas a deixar a UE, mas apenas 29% foram devolvidas ao seu país de origem.

A comissária europeia para assuntos internos, Ylva Johansson, disse que esses números mostram um novo panorama, diferente de 2015. "Precisamos lidar com a situação real e não com a situação que as pessoas têm em suas cabeças", disse. "A maioria não são refugiados. Dois terços das chegadas irregulares serão recusadas."

O ministro do Interior austríaco, Karl Nehammer, país que engrossou a frente contra a imigração, recebeu o plano com cautela, mas disse que a proposta "vai na direção certa em áreas muito importantes". Ele afirmou que é preciso que a UE conduza as deportações de maneira rápida e eficiente.

Antes da apresentação do plano pela Comissão Europeia, a agência das Nações Unidas para os refugiados e a Organização Internacional para as Migrações advertiram que a política atual da UE é "inviável, insustentável e muitas vezes traz consequências humanas devastadoras".

O assunto ganhou mais relevância no começo deste mês, quando o campo de refugiados de Moria, na Ilha de Lesbos, na Grécia, onde ao menos 12 mil estavam abrigados, pegou fogo. O governo grego diz que refugiados revoltados com medidas sanitárias impostas por causa do coronavírus incendiaram suas barracas. / AP, AFP e REUTERS

Caminho de volta

491,2 mil

imigrantes foram obrigados a deixar a Europa no ano passado depois de entrar ilegalmente no continente

Mudanças

"O antigo sistema para lidar com a imigração na Europa não funciona mais"

Ursula von der Leyen

PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA

"Precisamos lidar com a situação real e não com a situação que as pessoas têm em suas cabeças"

Ylva Johansson

COMISSÁRIA EUROPEIA PARA ASSUNTOS INTERNOS