O Estado de São Paulo, n.46350, 11/09/2020. Política, p.A4

 

No STF, circunstâncias são mais importantes que atores

Carlos Melo

11/09/2020

 

 

O STF tem assumido papéis que, no regime democrático, nem deveria cogitar. Ministros nem sempre se submetem à finitude das leis e intervêm em assuntos da política. Hostilizados, mesmo quando certos, ouvem radicais pedirem o fechamento do tribunal – com apoio do presidente da República. Se erram com as leis é tema para juristas; fora do campo jurídico, é no seio da crise política que têm exercido o principal papel que ora desempenham.

Em virtude disto, a simples sucessão na presidência do tribunal desperta inquietação: como Luiz Fux se comportará no comando do Poder e como transcorrerão processos e disputas de natureza política, no STF? Por si, a trajetória de Fux não dá conta da questão – até porque dependerá muito de seus colegas. No mais, circunstâncias são mais importantes que atores: foi a dinâmica política que trouxe o País a este ponto.

A crise fez, em várias instâncias, que magistrados ocupassem espaços impróprios, mas a responsabilidade disso é do próprio corpo político, por falhas e omissões. Na incompreensão da custosa transição social e na dramática miopia política quanto ao futuro reside a confusão. Há desolação política em não saber o que fazer, o que debilita ainda mais os políticos – vítimas e algozes desse processo –, sem respostas para a agenda da sociedade.

Nasce daí sua imensa crise de liderança, não apenas no Brasil. Partidos sem compreender a sociedade que deveriam representar; juízes justiceiros; procuradores quixotescos; políticos demagogos; sociedade enfurecida...

É no STF que tudo isso vai desembocar. Seu presidente só poderá dar aquilo que as circunstâncias permitirem, mas é necessário que, primeiro, as compreenda – sem vaidade.

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER