O Estado de São Paulo, n.46350, 11/09/2020. Política, p.A5

 

Reserva de recursos a negro vale já, diz ministro

Rafael Moraes Moura

11/09/2020

 

 

Liminar obriga partidos a dividir fundo eleitoral proporcionalmente nesta eleição

Ministro. Para Lewandowski, siglas têm obrigação de dividir verba de forma 'igualitária' entre candidatos brancos e negros

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem que os partidos dividam os recursos do Fundo Eleitoral e o tempo de propaganda no rádio e na TV de acordo com a proporção de candidatos brancos e negros já nas eleições municipais deste ano. O entendimento do magistrado antecipa a vigência da decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que havia determinado, no mês passado, a aplicação das novas regras somente a partir de 2022.

A lei eleitoral não obriga os partidos a lançar um número mínimo de candidatos negros, e as legendas tradicionalmente privilegiam candidatos homens e brancos na repartição do dinheiro. Embora correspondam a mais da metade (59%) dos habitantes do País, os brasileiros negros permanecem subrepresentados no Legislativo – são 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais eleitos em 2018. Os dados são do estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O levantamento mostrou ainda que, enquanto 9,7% das candidaturas de pessoas brancas a deputado federal em 2018 tiveram receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre pretos ou pardos esse porcentual ficou em 2,7%.

Em agosto, o TSE decidiu que o rateio da verba deverá ser feito segundo a proporção de candidatos brancos e negros de cada partido. Cabe a cada candidato declarar a sua raça à Justiça Eleitoral. Na época do julgamento do TSE, cerca de 1/3 dos partidos já havia informado ao tribunal os critérios de divisão do fundo eleitoral – esse foi um dos argumentos dos ministros para aplicar o novo entendimento apenas a partir de 2022.

Líderes de partidos consultados pelo Estadão/Broadcast afirmaram, em caráter reservado, que será difícil cumprir a regra nas disputas deste ano. Ainda há dúvidas sobre os critérios a serem usados.

Segundo o Estadão apurou, Lewandowski pretende levar a liminar para análise no plenário do Supremo. Ainda não há previsão de quando o tema será discutido pela Corte, mas a determinação de Lewandowski já obrigará as legendas a fazer ajustes na definição dos recursos públicos destinados ao financiamento das campanhas de vereadores e prefeitos. O valor do Fundo Eleitoral é de R$ 2 bilhões.

Lewandowski destacou que é obrigação dos partidos tratar os candidatos da mesma forma, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade. "O incentivo proposto pelo TSE, ademais, não implica qualquer alteração das 'regras do jogo' em vigor. Na verdade, a Corte Eleitoral somente determinou que os partidos políticos procedam a uma distribuição mais igualitária e equitativa dos recursos públicos que lhe são endereçados, quer dizer, das verbas resultantes do pagamento de tributos por todos os brasileiros indistintamente", argumentou o ministro Lewandowski.

"Em se tratando de verbas públicas, cumpre às agremiações partidárias alocá-las rigorosamente em conformidade com os ditames constitucionais, legais e regulamentares pertinentes", escreveu ele.

A decisão do ministro atende a um pedido do PSOL, que acionou o Supremo após decisão do plenário do TSE, no mês passado. Para o partido, diante de uma situação em que se verifica "violação a princípios e direitos constitucionalmente previstos, é plenamente possível admitir que os incentivos às candidaturas de pessoas negras, nos termos delimitados pelo TSE, sejam aplicados desde já".

Benedita. A discussão no TSE, iniciada em junho, avaliou uma consulta apresentada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ). A petista pediu ao tribunal para estabelecer uma cota de 30% de candidaturas negras em cada partido – numa analogia com o mesmo porcentual reservado às candidaturas femininas.

Na atual legislatura, as mulheres negras representam apenas 2,5% do total de eleitos na Câmara, enquanto as brancas são 12,28%, os homens negros 22,02% e os homens brancos 62,57%, segundo o estudo "Democracia e representação nas eleições de 2018". O levantamento indicou que 26% das candidaturas a deputado federal eram de homens negros, mas esse grupo recebeu apenas 16,6% dos recursos.

Os ministros do TSE, no entanto, acolheram outro pedido da deputada, que tratava sobre a repartição dos recursos. O entendimento do TSE, entretanto, encontra resistência entre dirigentes partidários, até mesmo entre os que concordam com a tese de Benedita. O argumento é que seria necessário o Congresso se manifestar, pois o assunto deveria ser tratado por meio de lei.

O deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB e líder do partido na Câmara, afirmou já adotar medidas internas para incentivar a candidatura de negros, mas disse ainda aguardar detalhes sobre as regras que deverão ser adotadas. "Na semana passada, me reuni com o MDB Afro, que ficou de nos indicar todos os candidatos negros do partido no País", disse Rossi.

Para Perpétua Almeida (AC), líder do PCdoB na Câmara, mesmo com a decisão de Lewandowski, os partidos darão um jeito de burlar as normas. "O pessoal não quer cumprir nem a cota das mulheres. Vai querer cumprir mais uma?", questionou a parlamentar, destacando que esse não será o caso do PCdoB.