O Estado de São Paulo, n.46350, 11/09/2020. Caderno Especial : 6 meses de Pandemia, p.H2

 

Fuga das cidades pode não ser duradoura

11/09/2020

 

 

Migração para o home office, perda de emprego e desvios na carreira podem reconfigurar espaços urbanos na pandemia

A segunda metade do mês de março foi de novidades no trabalho para muitos brasileiros. Empresas passaram a aderir em massa o home office. Quem desempenhava funções que poderiam ser realizadas remotamente começou a ser mandado para casa e precisou dar um jeito para montar um espaço de trabalho no lar.

Muita gente viu nessa mudança a oportunidade de sair das grandes cidades e "quarentenar" em ambientes mais agradáveis. Foi o caso do economista Alberto Nogueira* e do advogado e professor Tiago Freitas*. Enquanto Nogueira, a mulher e dois cachorros saíram de São Paulo e foram para um apartamento da família em uma praia de Santa Catarina, Freitas se mudou temporariamente com a mulher e os dois filhos para um sítio no interior paulista.

"Por mais que a gente ficasse confinado no apartamento também, só de poder acordar, tomar café da manhã olhando o mar, almoçar olhando o mar, diminui bastante a pressão", relata Nogueira. A mudança de ares estava prevista para durar um mês, mas o casal acabou decidindo estender a estadia, e ficou dois meses na praia. Agora, os planos são voltar para lá em outubro e ficar até o fim do ano.

Freitas também não sabe quando volta para a capital paulista. "Tenho dois filhos que sofriam muito em São Paulo com problemas respiratórios e precisavam ir com frequência ao hospital. E a gente estava preocupado de ter que enfrentar uma situação de explosão dos casos e os hospitais estarem lotados", conta ele, que foi para o interior logo no início da pandemia – antes de o aumento no número de casos se interiorizar.

Mas será que a migração em massa para o home office, além das mudanças de trabalho – como perda de emprego durante a pandemia – pode moldar as cidades no futuro?

Primeiro, nem todo mundo teve a possibilidade de trabalhar de casa. O estudo Potencial de Teletrabalho na Pandemia: um Retrato no Brasil e no Mundo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que apenas 22,7% dos empregos no Brasil podem ser realizados inteiramente em casa – número que nos coloca na 47ª posição entre os 86 países pesquisados em capacidade de aderir ao home office.

Mesmo assim, há pesquisas que apontam que quase metade (46%) das empresas adotou o modelo durante a pandemia – como mostra um estudo da Fundação Instituto de Administração (FIA) – e que 70% dos brasileiros gostariam de continuar trabalhando de casa – segundo estudo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP com profissionais principalmente de alta qualificação e renda.

"Existe uma grande discussão entre urbanistas e economistas em relação a essas movimentações – se as pessoas vão sair, ou se elas vão querer ficar cada vez mais nos centros urbanos", afirma a urbanista Laís Leão, criadora da InCities, projeto que visa ao desenvolvimento de cidades mais seguras. Ela explica que, com mais facilidades e opções de lazer, os centros urbanos ainda podem ser atrativos – mesmo para quem trabalha em casa e paga aluguel. "Porém, algumas vertentes acreditam que existe uma tendência de que as pessoas saiam dos centros urbanos maiores pela qualidade de vida ou pelo trânsito. Principalmente novas famílias, para as crianças poderem ter uma relação mais segura com as cidades", diz a especialista.

*Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados, para manter a privacidade