Título: Os indigestos aliados do Planalto
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 27/02/2005, País, p. A5

Líderes ligados a Lula admitem que foram longe demais na política de alianças e temem virar reféns da direita

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva passou dois anos cambaleando politicamente entre os aliados ideológicos - os partidos de esquerda - e os pragmáticos - PMDB, PP, PTB e PL. A vitória de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara desequilibrou esse jogo. O PP, que era um aliado sem cargo, agora está sentado sobre a pauta da Câmara e quer dois ministérios para poder ser considerado amigo. PTB e PL precisam retomar a confiança do Planalto após o festival de traições na eleição para a Mesa da Câmara. E o PMDB está nas mãos do grupo que sustentou o governo Fernando Henrique Cardoso. O governo inicia 2005 nas mãos da direita. Integrantes dos partidos de esquerda não escondem o incômodo com esta situação. Eleito por um conjunto de partidos sem número suficiente para formar uma maioria parlamentar confiável, Lula começou a inchar sua bancada governista para aprovar as reformas que pretendia implementar, especialmente a da Previdência e a tributária. O PL foi o único que entrou ainda na campanha presidencial, indicando o vice, José Alencar. O PTB aderiu no segundo turno, enquanto PMDB e PP entraram quando o trem petista já apitava pelos trilhos.

- Não faltaram avisos para o governo de que estimular o crescimento de aliados não ideológicos daria problemas lá na frente. Você engorda tanto a cobra que ela acaba te comendo - definiu o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS).

Nesta semana, o governo se viu obrigado a adiar o envio ao Congresso do projeto do Plano Nacional de Saneamento Básico. Técnicos do Ministério das Cidades justificaram que farão uma nova revisão no material. Mas no Congresso é nítido que os governistas estão bem mais cautelosos, já que a maioria parlamentar evaporou em poucas semanas. O PT, com 91 deputados e nenhum cargo na Mesa Diretora, marcou consulta e deitou no divã.

- Existe um livro, chamado A guerra do Peloponeso, no qual o rei de Esparta expõe a diferença entre força e hegemonia. Esparta tinha um exército poderoso, ganhou a guerra, mas acabou perdendo a Grécia - acrescentou o candidato avulso do PT à presidência da Câmara, Virgílio Guimarães (MG).

Um deputado aliado, mas que milita em uma legenda de direita, ironizou as dificuldades do PT em estabelecer uma relação de confiança com seus aliados.

- Eles são sindicalistas, seringueiros, metalúrgicos, presos políticos. São muito duros, não estão acostumados a dar nem a receber carinhos.

O líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), foi diplomático ao comentar a eleição de Severino Cavalcanti. Para ele, a derrota do PT e a ascensão do PP ao principal posto do Legislativo não vai transformar o Planalto em refém da direita.

- Vamos manter uma relação a mais responsável possível com o Severino. Ele não é um irresponsável. Votou conosco em algumas matérias que muitos petistas não votaram - recordou Luizinho.

A liturgia do posto talvez impeça Luizinho de expor os riscos que o governo passa no momento. Mas reuniões de avaliação politica do PT apontam que é preciso uma mudança na relação com os aliados. Um petista que pediu para não ser identificado acrescenta que o ideal é obter uma maioria parlamentar somente nos projetos de relevância. Nos demais, o melhor caminho é obter o consenso, dialogando com todos as legendas, inclusive com a oposição.

- Nós somos um partido de esquerda e utilizamos uma tática conservadora, fechamos as portas para o diálogo, inclusive com a sociedade - resumiu.

Para este petista, o governo subestimou as forças conservadoras do Legislativo. Acabou adotando uma estratégia política de direita e deu espaço para que estas forças se reagrupassem. Líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro (PE) é um dos que defendem a necessidade de uma reforma ministerial.

- O governo está refém de uma reforma que recomponha o grau de confiança nas relações entre o Executivo e o Legislativo - declarou.

Múcio tem sido bastante cobrado nos últimos dias, diante da infidelidade de sua bancada na eleição para a presidência da Câmara. Coloca a mão no fogo e garante que deu pelo menos 23 votos para Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).