Título: Protecionismo e subsídios definirão mercado
Autor: Landler, Mark
Fonte: Jornal do Brasil, 15/10/2008, Economia, p. A17

EUA e países europeus terão menos capital para dar suporte à agricultura

Ana Carolina Saito Jaime Soares de Assis

SÃO PAULO

A crise financeira mundial pode mudar o panorama de negociações do Brasil com seus principais parceiros internacionais. Em um cenário de queda nas trocas bilaterais, a corrente comercial terá de fluir em um ambiente no qual a tendência de fechamento de mercados e exacerbação do protecionismo terá de conviver com as dificuldades que diversos países enfrentarão para sustentar barreiras não-alfandegárias como subsídios agrícolas e cotas.

Os Estados Unidos e países europeus terão de gastar um volume significativo de recursos para socorrer os bancos e recuperar a confiança no sistema financeiro. Estas medidas devem comprometer os orçamentos dos países que terão de absorver o maior impacto da crise e afetar a capacidade de sustentarem o nível atual de subsídios agrícolas.

Oportunidade

O Brasil, neste cenário, ganha competitividade nas exportações e condição de viabilizar acordos comerciais amplos sem a necessidade de discutir em fóruns internacionais como Doha. Esta oportunidade poderá ser a saída para o Brasil buscar minimizar os efeitos da recessão mundial na corrente de comércio, na avaliação do economista Celso Grisi, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

¿ As negociações bilaterais envolvendo as commodities podem ser favoráveis ao Brasil ¿ afirma Grisi. Com menos subsídios, haverá espaço para expandir as cotas de exportação de produtos agrícolas brasileiros e compensar parte da queda em volume e preço que deve se acentuar no mercado internacional. Na sua avaliação, a desaceleração da economia norte-americana será seguida por crescimento menor da China que arrastará com ela o Japão, que é dependente dos investimentos chineses em infra-estrutura.

¿ Os Estados Unidos terão um grande déficit em conta corrente e uma dívida de US$ 11,365 trilhões em 2008. É um número de arrebentar ¿ afirma Grisi. ¿ Os déficit gêmeos vão trazer um problema sério para a economia norte-americana, com custos sociais graves, comenta. Os cortes em despesas com programas sociais e assistenciais devem alcançar a previdência, a área da saúde e política de subsídios.

Já Fernando Blumenschein, da FGV Projetos, prevê uma competição mais intensa entre os países para a conquista de mercados. Para ele, a tendência, em momentos de crise, é de que os países criem mais barreiras para proteger os seus mercados.

¿ E isso já está acontecendo ¿ diz, citando o caso da China, que impôs barreiras para exportação de produtos agrícolas para garantir a oferta no mercado interno. Nesse sentido, com o aprofundamento da crise, os países da União Européia também devem se proteger.

¿ As chances das negociações da Rodada de Doha são bem menores agora ¿ comenta o coordenador de projetos da consultoria.

¿ Em todo momento de crise, há um movimento protecionista dos países. Não é um risco remoto ¿ concorda Olavo Henrique Furtado, consultor do núcleo de negócios internacionais da Trevisan Consultoria.

O mercado espera uma retração importante, com impactos diretos no Brasil. O crescimento econômico dos EUA e Europa deve ser próximo de zero. Dois grandes compradores de produtos brasileiros como a China, que deve reduzir sua expansão a taxas de mais de 10% ao ano para 8% ou 9%, e a Índia, que ficará na faixa de 4% a 5%, também devem diminuir as importações.

E isso vai atingir o Brasil de forma acentuada. Também haverá menor fluxo financeiro, diminuindo investimentos de empresas que usam o país como plataforma de exportação. Todas as varáveis indicam para uma desaceleração do crescimento ou até diminuição das exportações", diz Blumenschein.

Para compensar a perda de vendas nos EUA, avalia Grisi, os chineses devem se voltar para a Rússia, África do Sul e países da América Latina como o Brasil, Peru, Argentina, México, Colômbia, Chile e Venezuela.