Título: Obstáculo ao avanço da dengue
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 16/10/2008, Opinião, p. A8
O verão bate às portas dos cariocas e reacende a antiga discussão sobre o combate à dengue. A estação mais esperada do ano pelos moradores do Rio, com altas temperaturas e praias convidativas, é igualmente temida por vir acompanhada de uma terrível ameaça: o retorno da epidemia de dengue. O tempo firme dos últimos dias reavivou na mente da população o medo da devastadora doença que, na estação passada, contagiou 123 mil pessoas, levando 102 à morte. O descaso foi o ponto mais marcante e revoltante do episódio, no qual a autoridade pública municipal insistia em não reconhecer a questão como epidêmica. Enquanto se refugiava sob o guarda-chuva de um endereço eletrônico, o administrador virtual da cidade não viu o município ser atingido por mais uma grave crise. Já àquela época a imprensa e os cidadãos perguntavam: "Onde está o prefeito?" ¿ tamanha era a omissão. Não foi exagero do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao citar o Rio como o pior exemplo para o país no combate à doença, já que os números estaduais contaminaram as estatísticas, impulsionados pela alta incidência na cidade.
Diante de um cenário em que a população é punida com o desleixo, é mais do que louvável a decisão tomada pelo secretário de Saúde do Estado do Rio, Sérgio Côrtes, que, à revelia do prefeito Cesar Maia, assumiu o controle do combate à epidemia, conforme publicou ontem o Jornal do Brasil. A transição de prefeitos exatamente no alto verão ¿ dia 1º de janeiro ¿ é mais um fator de risco que abre espaço para transformar o que se avista como epidemia em uma catástrofe. A posição firme e acertada de Côrtes afasta a possibilidade de vermos a saúde pública municipal enveredada pelos percalços comuns à administração que se inicia. Ainda que esteja prevista uma fase de transição, esta acontecerá tarde demais para evitar que o mosquito Aedes aegypti tome conta da cidade. Se no passado o Rio foi obrigado a conviver com a omissão, não há garantia de que, desta vez, o atual prefeito tomará as medidas necessárias e deixará o caminho organizado para o sucessor. Sob o controle do Estado, a batalha contra a dengue estará um passo à frente, com a prevenção sendo encaminhada na hora correta e oportuna.
Na contramão do bom-senso rema o prefeito Cesar Maia, que disparou sua metralhadora giratória em direção ao ministro Temporão, a quem chamou de bobalhão por estar preocupado com o que passa longe do pensamento de Cesar, a saúde da população. Depreciou a atitude do secretário de Saúde, digna de respeito, classificada por Cesar de pirotecnia. Seu argumento é que a população estaria imunizada por três anos. Para este caso, aplica-se a tese defendida pelos mais antigos de que prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
A prevenção tem início agora, quando as temperaturas começam a subir e o período de chuvas típicas do verão tropical ainda não chegou. Esta combinação entre abundância de águas limpas e calor intenso é o combustível para a proliferação do transmissor. A parceira com a Secretaria de Educação, defendida por Côrtes, é um reforço valioso na batalha recém-assumida pelo Estado. Transformar os alunos em multiplicadores das orientações que acabarão com os criadouros de mosquitos é arma definitiva nessa guerra. Como porta-vozes da luta contra a doença, os estudantes contribuirão para as campanhas educativas desenvolvidas pelo governo federal. O mais certeiro combate começa em casa, entre os vizinhos, no bairro, e a arma mais eficaz é, sem dúvida, a educação. O primeiro passo para evitar a reprise do desespero do verão passado já foi dado. Resta à população também fazer a parte dela: eliminar os focos.