Título: Os riscos de uma segunda grande depressão
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 16/10/2008, Opinião, p. A9

A crise econômica vai ganhando contornos mundiais e ninguém sabe ao certo o que fazer. Como é próprio do capitalismo, as forças destrutivas ganharam predominância e, sem confiança, não há crédito. Tudo vai parando, o consumo, os pagamentos, os empréstimos, a produção e, se esse movimento não for detido, o risco é realmente uma segunda grande depressão. Pode cair a produção e crescer o desemprego, já que os bancos não confiam nos bancos e não emprestam. Quem tinha poupança e aplicações, seja para a aposentadoria ou para estudar, comprar o que quer que seja, perdeu quase tudo. Como os ativos vão perdendo valor e os juros subindo, ninguém paga ninguém e o círculo vicioso vai tomando conta do sistema.

Sem lideranças efetivas, os governos vão tateando saídas. No começo, todas voltadas só para salvar os bancos e evitar o pior no sistema imobiliário e financeiro. Agora vêem que a questão é muito mais grave e afeta o próprio capitalismo. Não que ele vá entrar em colapso. Porém, se não for feito algo rápido e eficiente, mesmo os Estados Unidos, com a base industrial e tecnológica, com a qualificação de seu povo, com o poder político e militar que têm, com a capacidade de superar crises, podem entrar em recessão e levar o mundo a uma segunda depressão.

Com um governo comprometido politicamente com o fracasso no Iraque e no Afeganistão, um Congresso em final de vida, uma disputa presidencial, agências de controle desmoralizadas, os Estados Unidos têm que esperar o novo presidente para, de fato, enfrentar a crise com um novo Congresso. E, tudo indica, com novas políticas que não apenas salvem os bancos mas enfrentem o problema gerado pelos anos de especulação e endividamento nacional. Nunca um país deveu tanto a tantos e nunca um país transferiu a tantos suas crises com base em seu poder econômico e militar, no dólar e na política.

Sem uma autoridade mundial que possa exercer um papel regulador e dirigente, já que o próprio Estados Unidos desmoralizou a ONU, o FMI e o Bird, sem líderes na Europa, que apesar do seu BC, depende dos governos de cada país da comunidade para aplicar as políticas decididas, o mundo caminha para um impasse ou para uma transição, dependendo das soluções que possam ser adotadas a partir das reuniões em nível mundial que estão sendo realizadas, agora com a participação dos países emergentes, dos Brics e do G-20.

A saída, parece, tende a acompanhar a via britânica, que decidiu capitalizar os bancos, assumindo suas direções, de fato, e parte do controle acionário. Com isso, devolveu confiança ao sistema e credibilidade e crédito à economia. Seria péssimo para o mundo se as economias americana e européia se recuperassem dessa crise sem grandes mudanças no sistema de poder e financeiro mundial, sem regulação e taxação do sistema financeiro e sem uma ampla reforma no comércio internacional e nos organismos internacionais. A questão é quem vai liderar esta mudança se os países do capitalismo central são hoje conservadores, no sentido de que querem manter o status quo e não são capazes de reformar o sistema, para além da constante revolução tecnológica.

As forças emergentes no mundo do século 21, começando pela China e pela Índia e demais países emergentes, Brasil à frente, ainda não têm forças econômicas e tecnológicas suficientes para dar um novo rumo ao mundo, mas vão ser determinantes para impedir uma recessão e para a retomada do crescimento do comércio e da economia mundial. A expectativa é que esses países com base em seus mercados internos, e na capacidade empresarial, tecnológica e de investimentos que já detêm, cresçam e sustentem o mínimo de crescimento para que o mundo não afunde numa depressão. Mais do que isso, que liderem reformas que liberem o comércio mundial do protecionismo, mudem o sistema financeiro e reformem as instituições multilaterais. A última questão é se a possível eleição de Barack Obama vai significar uma época de democracia e reformas nos Estados Unidos ou apenas uma troca de guarda num império decadente.