O Estado de São Paulo, n.46367, 28/09/2020. Metrópole, p.A14

 

Governo quer tirar regras de proteção

André Borges

28/09/2020

 

 

Conselho consultivo do Ministério do Meio Ambiente deve votar hoje derrubada de resoluções que protegem manguezais e restingas

O Ministério do Meio Ambiente está prestes a derrubar um conjunto de resoluções que atualmente delimitam as áreas de proteção permanente (APPS) de manguezais e de restingas do litoral. A revogação dessas regras abrirá espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão.

A discussão está na pauta de hoje da reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que é presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O colegiado, que tem papel fundamental na definição de normas e critérios da área ambiental, teve a sua estrutura modificada por Salles em junho de 2019 e, com isso, o poder de decisão ficou nas mãos do governo federal.

Na reunião de hoje, o governo pretende revogar as duas resoluções (302 e 303, de 2002) que são os instrumentos de proteção dos mangues e das restingas, as faixas com vegetação comumente encontradas sobre áreas de dunas, em praias do Nordeste brasileiro.

O argumento do governo é que essas resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal. Especialistas em meio ambiente afirmam, porém, que até hoje elas são aplicadas, pois se tratam dos únicos instrumentos legais que protegem efetivamente as APPS.

"Não há nenhuma outra norma brasileira que confirma proteção às restingas como essas resoluções do Conama, que continuam a definir os limites até hoje. A realidade é que há um grande lobby de resorts e criadores de camarão do Nordeste, que querem entrar nessas áreas", diz Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).

Em agosto, por exemplo, em São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) perdeu uma ação na Justiça e foi obrigada, por meio de sentença, a respeitar as delimitações previstas na resolução de 2002, "para evitar a ocorrência de dano irreparável à coletividade e ao meio ambiente".

Irrigação. A outra resolução que pode ser revogada pelo Conama acaba com os critérios de regras federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. No entendimento de ambientalistas, a revogação tem o objetivo de acabar com exigências legais.

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) defende o fim da medida, sob o argumento de "não haver embasamento técnico/legal da promulgação da resolução, pois a irrigação não é um estabelecimento ou atividade, mas apenas uma tecnologia utilizada pela agricultura para o fornecimento de água para as plantas em quantidade suficiente e no momento certo".

A pauta do Conama inclui ainda a proposta de uma nova resolução que trata de critérios de incineração de resíduos em fornos de produção de cimento, para liberar a queima de resíduos de agrotóxicos. Hoje, esse material passa por um processo detalhado de tratamento e destinação. A nova resolução, porém, permite que tudo seja incinerado. Há preocupação, no entanto, com o material lançado na atmosfera após essa queima. Procurado pelo Estadão, o ministro Ricardo Salles afirmou que "as pautas do Conama serão debatidas e todos os conselheiros terão a oportunidade de expor suas posições".

Estudos. Especialistas na área ambiental questionam a natureza das mudanças pretendidas e a rapidez com que as discussões entraram na pauta de votação.

"Tudo foi pautado em regime de urgência. Qual é a urgência de tomar decisões tão importantes em tão pouco tempo e sem que esses temas sejam submetidos a estudos, por meio de câmaras técnicas? Todas essas resoluções mereceriam uma discussão aprofundada", afirma Bocuhy.

Para a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, tratase de decisões importantes, que poderão fragilizar profundamente a proteção ambiental.

"O desmonte promovido pelo governo Bolsonaro na política ambiental atingiu duramente o Conama, que infelizmente parece estar reduzido a uma esfera de flexibilização de normas, de passar a boiada. A pauta dessa reunião é evidência forte nesse sentido", diz Suely.

Novo Conama. Em 2019, o Conama foi reduzido – passou de 96 para 23 representantes. Perdeu integrantes de Estados e de entidades civis e, com isso, a maioria dos votos ficou nas mãos do governo federal e de membros do setor produtivo. No casos dos Estados, antes cada um, mais do Distrito Federal, tinham uma cadeira; agora, é uma para cada região do País.

Alterações

96

Representantes compunham o Conama até 2019; hoje são 23.

8
Membros dos municípios formavam o conselho; agora são 2.