O Estado de São Paulo, n.46366, 27/09/2020. Metrópole, p.A22

 

Isolamento abala e pode marcar nova fase do pontificado

Edison Veiga

27/09/2020

 

 

O isolamento social de 2020 não foi fácil para ninguém. Mas, para o historiador italiano Alberto Melloni, a pandemia deve marcar o "começo do fim" do pontificado de Francisco. A frase é controversa. Mas o que vaticanistas concordam, contudo, é que o período solitário dentre os muros do Vaticano realmente mexeu com um papa conhecido por gostar de estar rodeado de pessoas. "Não podemos saber se esta é a fase final do pontificado de Francisco. Mas, certamente, estamos em uma nova etapa, oriunda de uma circunstância: a pandemia que parou tudo, colocou o mundo em espera e, portanto, também o pontificado", define o vaticanista italiano Andrea Gagliarducci.

"A pandemia obrigou uma 'parada', foi um baque no pontificado de Francisco, que vinha num ritmo intenso até o Sínodo da Amazônia. Ele tinha viagens previstas para este ano e precisou suspender muita coisa", comenta o vaticanista Filipe Domingues. "Era de se esperar que, no meio disso tudo, ele dedicasse um tempo para escrever."

Domingues prefere cautela sobre dizer que seja a reta final do papado de Francisco. "Historicamente, é verdade que muitos pontificados terminam depois de um susto – eles fazem com que o dinamismo diminua e haja uma decadência. Em geral, são homens idosos", analisa. "Alguns historiadores estão dizendo que a pandemia é o baque que Francisco está sofrendo. Ele é social, ativo, sai, quer encontrar as pessoas, e foi obrigado a ficar no escritório, preso no Vaticano, sozinho, isolado do povo e das pessoas que o informam sobre o que está ocorrendo do mundo – não tem mais o trânsito de bispos, de pessoas que ele conhece."

Segundo tal ponto de vista, a gestão de Francisco entrará em um declínio. "Eu não acredito nisso. Ainda não acho que é o golpe final dele. Acho que ainda tem muita coisa para oferecer", completa o vaticanista.

Para o Domingues, a nova encíclica pode novamente pautar sua voz pelo mundo. E, assim que condições tornarem a ser seguras, ele deve voltar a viajar. "Claro, o papa não é jovem (fará 84 anos em dezembro), mas só Deus sabe se esta é a fase final", pontua Gagliarducci.