Título: Uma nova ordem econômica mundial
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 18/10/2008, Economia, p. E3

Especialistas são unânimes ao apontar a necessidade de impor regulamentação aos mercados financeiros mundiais para superar o que já aparece como a pior crise gestada pelo capitalismo

Ubirajara Loureiro

A futurologia é um exercício que, volta e meia, reduz a farrapos as mais sólidas reputações. Mesmo assim, poucos resistem ao desafio de formular hipóteses lógicas sobre o desenvolvimento provável de situações, como a atual crise financeira mundial, a curto, médio e longo prazo. E, surpreendentemente, em meio a um mar de incertezas, sedimentam-se consensos e até unanimidades.

A primeira delas, quase óbvia, colhida entre especialistas consultados pelo Jornal do Brasil, é de que haverá uma desaceleração no ritmo de crescimento da economia americana, com reflexos diferenciados, mas palpáveis, em todo o mundo, aí incluídos o Brasil e China. Com o desdobramento de que deverá ser desenhada uma nova ordem econômica mundial, como entendem o senador Aloizio Mercadante e os economistas Ricardo Carneiro, da Unicamp, seu colega Luiz Gonzaga Belluzzo e o historiador Marcio Scalércio, professor da Universidade Candido Mendes ¿ que prevê o declínio drástico do liberalismo ortodoxo e da política conservadora iniciada no fim dos anos 70.

Nada como enunciou recentemente o pensador marxista Eric Hobsbawn no sentido de que "o imperialismo americano está com os dias contados". Continuará forte, mas tendo engolir o fato de que os países emergentes, já em 2007, responderam por 75% do crescimento da economia mundial, destacam Mercadante e Belluzzo.

A segunda unanimidade é que a turbulência ainda em curso forçará o surgimento de um capitalismo mais regulado, com maior vigilância sobre operações de bancos e instituições financeiras em geral, como diz o professor titular da cadeira de História da Economia, da Unicamp, Ricardo Carneiro, com tentativa de neutralização dos derivativos, "a bomba de nêutrons do sistema, com enorme efeito de desestabilização por seu potencial de ampliação de riscos". Mas nada para já, opina Reinaldo Gonçalves, professor de economia da UFRJ:

¿ Tentar um acordo multilateral para formular, agora, em plena crise, uma nova regulamentação para o sistema financeiro internacional seria situação equivalente à de uma casa pegando fogo, com os bombeiros entrando, e alguém ficar insistindo para que se chame o decorador.

A terceira certeza, quanto à necessidade de conter-se a exorbitância de alguns salários e bônus de executivos da alta finança, não é unânime: ex-banqueiro, hoje trader do mercado de capitais, Luiz César Fernandes acha que falar em disciplinar os ganhos desse grupo de privilegiados não passa de retórica inócua, pois o empreendedor sempre deverá ser remunerado proporcionalmente aos ganhos que gera.

¿ Não adianta falar para um empreendedor que assume riscos que ele não ganhará proporcionalmente ao que produzir. Ou ele não vai produzir, ou buscará outra coisa para fazer¿ diz Fernandes. A seguir, os principais trechos de depoimentos prestados sobre o mundo que surgirá depois de dissipada a turbulência, de duração imprevisível, mas certamente mais longa que o desejável