Título: Scalércio diz que liberalismo ortodoxo parece perto do fim
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 18/10/2008, Economia, p. E3

"A onda de liberalismo ortodoxo e política conservadora que teve ascensão no final dos anos 70 parece estar chegando a seu termo. A repercussão econômica que isto vai ter, do ponto de vista do funcionamento dos mercados financeiros, indica que os mercados passarão a ser mais regulados. O que não quer dizer que todo o mundo vá fazer a mesma coisa, porque a diferenciação das regras dos vários mercados é uma maneira de atrair financiamento. Por isso, não acho que vá acontecer uma grande concertação internacional entre líderes de vários países, com o objetivo de acertar coisas mais definidas. Acho que cada país, cada governo, vai tomar as medidas que entender como cabíveis, e todo mundo ficará de olho para ver o que o próximo presidente americano vai fazer.

Este tipo de decisão ainda depende da liderança do presidente dos EUA, mas não espero nada dramático, porque não aconteceu nada dramático do ponto-de-vista da estrutura de funcionamento do mundo. Não houve guerra. O que tem é um monte de gente com um papagaio na mão, sem saber muito bem onde vai morar, lá nos Estados Unidos. Por outro lado, uns bancos que andaram passando papéis que nada valiam.

Os executivos não vão sair limpos disso. Não que alguém vá para a cadeia. Mas até por uma questão de moralismo diante dos contribuintes, porque é o dinheiro deles que está sendo usado para salvar bancos, eles vão estabelecer regras para esta história. Esse pessoal vai ser monitorado mais de perto. Isto é viável porque os bancos estão passando a ter participação do governo, que vai querer monitorar suas operações. Então, enquanto o governo continuar a ser co-proprietário dos bancos, vai tentar fiscalizar isto a fim de dar uma compensação para a opinião pública.

A idéia-chave é tentar limitar esta capacidade que o sistema tem de especular, mas há muitos modelos para isto, porque deveria ser respeitada a institucionalidade dos vários sistemas financeiros. Mas a direção é esta. E, do ponto de vista global, menos liberdade para o dólar como moeda-reserva do sistema, menos intensidade para esses fluxos de capital especulativo. Isto é o desejável, que tornou-se viável. Mas pode também acontecer o pior: não se conseguir levar estas idéias à pratica, e repetir os erros numa escala ampliada um pouco mais à frente. O crescimento da China vai diminuir de ritmo, mas não vai parar. Ela vai continuar atuando no mercado internacional com muita intensidade na África, na América Latina, na Ásia, conforme faz hoje. A Europa talvez aproveite esta situação para se unir mais. A geopolítica está mudando. É claro que as angulações foram rearrumadas pela crise financeira".