Título: Na América Latina, impactos da crise serão mais suaves
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 18/10/2008, Economia, p. E3

Países mais pobres, no entanto, devem ficar a reboque do Brasil

Cláudia Dantas

A recessão americana, que vem sendo considerada tão ou mais preocupante que a crise de 1929 e já se alastrou por todo o mundo, seguramente vai afetar a América Latina (AL). No entanto, segundo especialistas, seus efeitos serão menores e mais amenos para os países que conseguiram estruturar os sistemas financeiros e melhorar os fundamentos macroeconômicos na última década.

As previsões de crescimento do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a região são melhores do que para o resto do mundo. O relatório Panorama Econômico Mundial elevou em 0,1 ponto percentual a previsão de crescimento na região este ano, para 4,6%, mas reduziu em 0,4 ponto em 2009: 3,2%. Mesmo assim, o número ficará acima da média mundial, que deverá girar em torno de 3%, segundo o FMI.

De acordo com o estudo, "as economias latino-americanas enfrentarão uma desaceleração na atividade econômica em função da crise internacional, mas o risco de inflação ainda é elevado. A região, depois de quatro anos de crescimento acelerado, deverá enfrentar uma redução nas exportações, e isto afetará diretamente a evolução do PIB local.

Marcelo Coutinho, coordenador do Observatório Político Sul-Americano do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Opsa/Iuperj), ressalta que "a América Latina já se antecipou e fortaleceu o sistema imunológico".

Segundo Coutinho, a implantação de medidas econômicas como as metas de controle da inflação, os pagamentos da dívida externa e o aumento das reservas internacionais ¿ hoje, muitos países da AL tornaram-se credores e o acúmulo de moeda estrangeira permite passar longo período sem necessitar de financiamento em moeda estrangeira ¿ fez a região diminuir sensivelmente a vulnerabilidade externa.

¿ A relação dívida/PIB reduziu barbaramente nesses países ¿ explica Coutinho. ¿ No Brasil, há seis anos, o endividamento externo chegava a 60%, hoje ao redor de 40%. A Argentina, por exemplo, caiu de 160% para 90%. O Uruguai reduziu de 99% para 65%. É o fim da novela neoliberal.

A outra face da crise

Mas o coordenador da Opsa reforça que a crise chega de maneira diferenciada nos países da AL, que precisarão continuar perseguindo as metas de inflação e diversificando as relações comerciais com o resto do mundo.

¿ Os países que concentraram negócios com os Estados Unidos, como o México, que chega a 85%, sofrerão mais. Quanto mais dependente, pior ¿ sustenta.

A boa notícia, segundo Coutinho, é que o Brasil destaca-se em relação aos outros países no quesito exportação. O país é superavitário em todos os casos, à exceção da Bolívia no caso do gás.

Os países que adotaram políticas esquerdistas, como Venezuela, Bolívia e Equador, lembra o coordenador da Opsa, no curto prazo, verão seus se fortalecerem. Contudo, se a crise durar um ano ou mais, terão sérios problemas.

¿ A Venezuela é um grande exportador de petróleo. Com o preço desse principal ativo despencando, como Chávez poderá financiar suas políticas de governo? ¿ questiona Coutinho.

O Brasil, acredita o coordenador, embora tenha crescido pouco quando comparado ao resto da economia mundial nos últimos tempos, deve comemorar os índices macroeconômicos conquistados até agora. E o país terá de agradecer se crescer 2,5% no próximo ano.

¿ Temos todos os ingredientes para nos sairmos melhor: investment grade, reservas de petróleo, diversidade da pauta de exportações, entre outros. O capitalismo vai ser transformado, mas não acabará. O que acaba é o neoliberalismo de mercado, é essa desregulamentação desorientada ¿ filosofa o coordenador.

Na avaliação de José Luiz Niemeyer Filho, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, o Brasil pode aproveitar a chance para sobressair no cenário internacional, se apostar pesado no segmento de energia, com álcool, gás e outras commodities.

¿ Podemos ser o centro irradiador de comércio e produção internacional, diferentemente de países como a Índia e a África do Sul, que ainda precisam corrigir problemas como a democracia, mais transparência no gasto público ¿ pondera o coordenador do curso de Relações Internacionais.

Além disso, sustenta Niemeyer, a economia do Brasil está mais madura e é bem-vista no contexto internacional, "tanto no quintal de casa, com os países vizinhos, como pelos europeus e americanos".

¿ No curto prazo, todos vão sentir, mas países com as características do Brasil vão sentir menos. E os mais fracos da América Latina virão a reboque do posicionamento brasileiro ¿ acredita Niemeyer.

A economia argentina explica o coordenador do curso do Ibmec-RJ, não fez o dever de casa, e, por isso, sofrerá mais. A política aduaneira protecionista, incentivada pelo atual governo, visa proteger a indústria nacional e frear a entrada de produtos têxteis, metalúrgicos e eletrodomésticos, principalmente os itens oriundos do Brasil e da China.