Título: Encostas banidas do orçamento
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 20/10/2008, Opinião, p. A8

Ás do factóide, Cesar Maia deixará um verdadeiro presente de grego para o próximo prefeito do Rio. Como o JB divulgou ontem, um rombo digno de abalar os alicerces que contribuíram para o título de Cidade Maravilhosa vai estourar nas mãos do novo administrador. Pelos cálculos, de 2007, do instituto municipal Geo-Rio, há uma grande carência de investimentos em contenção de encostas e, para solucionar o problema, seriam necessários quase R$ 160 milhões. Porém, a previsão de investimentos municipais na área, naquele ano, seria algo em torno de apenas R$ 10 milhões. A enorme defasagem, alimentada ao longo dos 16 anos em que Cesar Maia comanda a cidade, quer diretamente ou através do ex-aliado Luiz Paulo Conde, mostra o pouco caso com que foi tratada a questão.

Diante deste cenário, o próximo prefeito corre sério risco de enfrentar situações extremas de deslizamentos assim que tomar posse, em 1º de janeiro, exatamente no período em que as chuvas de verão se tornam mais intensas, sem que o orçamento esteja preparado para uma resposta rápida. A atitude do prefeito ignora o desespero de 387 mil cariocas, cujas vidas serão diretamente afetadas pela ausência de investimentos na medida certa para a contenção de encostas. Na contramão, segue Cesar Maia despejando rios de recursos públicos em obras faraônicas e personalistas como a Cidade da Música, cujo custo já teria ultrapassado a casa dos R$ 500 milhões. O compromisso de zelar pela integridade física da população e pela segurança ambiental foi abandonado por Cesar Maia e deu lugar a projetos ambiciosos, dotados de arquitetura mais visível aos olhos dos futuros eleitores e capazes de perpetuar a própria imagem do governante.

Foi a ausência de investimentos de grande porte nas encostas cariocas a verdadeira culpada pelo deslizamento de toneladas de terra que fechou a entrada do Túnel Rebouças ¿ sentido Cosme Velho-Lagoa ¿ em outubro de 2007. Quem não se lembra do transtorno causado pelo desmoronamento que impossibilitou, por mais de uma semana, a travessia do Rebouças? O incidente foi marcado por um jogo de empurra entre a prefeitura, que destacava o rompimento de uma tubulação como a verdadeira causa, e o governo do Estado, que negava a responsabilidade da Cedae no episódio e atribuía a culpa justamente à falta de investimentos na contenção de encostas. Independentemente do culpado, a punição recaiu sobre a população, que sofreu com os grandes engarrafamentos causados pelas mudanças no trânsito da cidade, e a comunidade de Cerro-Corá, que passou alguns dias sem abastecimento de água. Na realidade, se um trabalho sério estivesse sendo realizado pela prefeitura nas encostas, seria possível detectar a fragilidade da tubulação em questão, e algum meio para prevenir a tragédia certamente seria acionado. Lição que já deveria ter sido absorvida pelo prefeito que soube articular o orçamento para a realização dos Jogos Pan-Americanos.

As construções megalomaníacas que comprometem preciosa fatia do orçamento municipal mais necessária em outras obras urgentes para a cidade mostram o quanto a questão do investimento está intimamente ligada à vontade política do administrador. Enquanto a população acompanha o surgimento de monumentos como a Cidade da Música e o Engenhão, grandes consumidores de verbas do erário, setores menos prestigiados e com menor visibilidade são esquecidos. Monitoramento e investimentos constantes que incluam o reflorestamento são requisitos básicos para toda ação preventiva contra a erosão e o deslocamento do solo. Porém, um resultado definitivo é alcançado após 40 anos de trabalho contínuo. Graças ao prefeito Cesar Maia, o Rio já contabiliza 16 anos de atraso.