Título: Genro insiste na punição a torturador
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 24/10/2008, País, p. A6

Ministro mantém clara a divisão relativa ao tema no governo federal

Vasconcelo Quadros

BRASÍLIA

O ministro da Justiça, Tarso Genro voltou a defender, ontem, a responsabilização dos crimes de tortura ocorridos durante a ditadura militar. Ele negou, no entanto, que esteja em choque com a Advocacia Geral da União (AGU), que contesta a ação contra torturadores na Justiça Federal em São Paulo.

¿ A AGU tem autonomia: foi uma análise de natureza técnica ¿ disse Genro, afirmando essa posição não desfaz sua convicção ¿ também assumida pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos ¿ pela punição de quem torturou. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, é contra a punição.

No mês passado, para evitar atrito entre seus auxiliares, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou que o assunto fosse deixado para alçada do Judiciário. Genro rechaça o argumento de que a tortura entra no rol dos crimes políticos cobertos pela anistia.

¿ Então se um terrorista colocar uma bomba em uma escola, isso vai ser considerado crime político? ¿ indaga.

Contestação

A pretexto de defender a União, a AGU contestou ação do Ministério Público Federal em São Paulo contra os coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos, dois acusados de tortura.

Além de pedir a condenação dos militares, os procuradores Eugênia Fávero e Marlon Weichert querem a abertura de todos os arquivos da repressão e a condenação da União por omissão ao deixar de cobrar dos torturadores o ressarcimento pelas indenizações que vêm sendo pagas aos anistiados.

As declarações de Genro causam uma forte divisão na Esplanada e revelam um confronto com a posição do próprio Lula, que evita tratar das pendências dos anos de chumbo para não se indispor com a área militar.

Sem força dentro do governo para fazer o resgate histórico e levar aos tribunais quem matou, torturou e sumiu com os corpos de 133 ativistas, Genro e Vanucchi surfam na onda provocada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ¿ que forçou o Supremo Tribunal Federal (STF) a definir a tortura foi anistiada ¿ e na iniciativa da Organização dos Estados Americanos (OEA), que julgará o processo sobre 70 guerrilheiros desaparecidos no Araguaia.

Na contramão

Não é a primeira vez que a AGU vai na contramão da história para não desagradar aos militares. Os advogados do governo fizeram de tudo para evitar que o STF convalidasse a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tornando definitiva e irrecorrível a decisão da juíza Solange Salgado, da Justiça Federal de Brasília. Ela mandou a União ouvir militares para apontar o paradeiro dos ativistas do PCdoB desaparecidos no Araguaia.

A sentença está em vigor desde o ano passado, mas o Jobim ¿ amparado num parecer da AGU ¿ em vez de cumprir, criou uma comissão de militares para analisar o caso. Os governos do ex-presidente Fernando Henrique e Lula trocaram o acerto de contas com a ditadura pela concessão de indenizações pecuniárias a familiares de desaparecidos e personagens famosos que se aproveitaram de suposta perseguição política para ganhar dinheiro.