O Estado de São Paulo, n.46369, 30/09/2020. Economia, p.B6

 

Secretário do Tesouro descarta uso de 'contabilidade criativa'

Idiana Tomazelli

Eduardo Rodrigues

30/09/2020

 

 

Funchal diz que há um debate em curso e que defende manutenção do teto e melhoria da eficiência dos gastos

Após a enxurrada de críticas contra o adiamento de precatórios (valores devidos após sentença definitiva na Justiça) para bancar o Renda Cidadã, o novo programa social do governo Jair Bolsonaro, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, reconheceu a necessidade de uma discussão jurídica sobre o tema e destacou também a reação negativa do mercado financeiro.

Diante da insistência de jornalistas em saber a posição do Tesouro sobre o tema, Funchal admitiu que, do ponto de vista técnico, a medida não corta nenhuma despesa de forma permanente. Mas ele evitou tecer críticas mais contundentes à iniciativa, que foi endossada publicamente pelo presidente Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes – que ladeavam o relator do Orçamento e da PEC do pacto federativo, senador Marcio Bittar (MDB-AC), no momento do anúncio de segunda-feira.

Apesar de toda a repercussão, o secretário garantiu que o governo segue comprometido com o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação e funciona hoje como uma "superâncora" para os investidores, e alertou que não adianta adotar nenhuma ação que mine essa credibilidade. "Não tem contabilidade criativa. Estamos em um processo de debate e a nossa posição é manutenção do teto de gastos e melhoria da eficiência dos gastos", afirmou.

Antes de os precatórios se tornarem a solução para bancar o Renda Cidadã, a equipe econômica defendia cortes em outras despesas, como abono salarial (espécie de 14.º salário a trabalhadores com carteira e salário até R$ 2.090), e desindexação de gastos (que resultaria, por exemplo, no congelamento de aposentadorias). Mas essas vias foram abortadas pelo presidente Bolsonaro, que ameaçou dar "cartão vermelho" a quem propusesse algo do tipo.

'Silêncio'. Desde então, Guedes impôs uma espécie de "lei do silêncio" à sua equipe para evitar novos ruídos na negociação do Renda Cidadã com o Congresso Nacional. Questionado se isso iria coibir o Tesouro Nacional de expor suas manifestações técnicas, Funchal negou a possibilidade. "Não (coíbe), o posicionamento do Tesouro é bastante técnico. Quem não gostaria de ter uma opinião técnica sobre alternativas que podem ser tomadas? Nosso papel é estudar e mostrar as consequências, pelo bem do próprio presidente e da sociedade", disse Funchal.

Em tom ameno, porém, ele também sinalizou que a opinião pública precisa "escutar as ideias políticas como essa" e então entender as consequências. "Faz tudo parte do debate."

Na coletiva para o anúncio do resultado das contas do Tesouro em agosto (ler mais na pág. B7), Funchal repetiu diversas vezes que o debate do Renda Cidadã é "político" e contou que ainda não teve acesso ao texto do relator. O novo programa, se criado nos moldes anunciados por Bittar, deve representar mais R$ 65 bilhões em despesas permanentes do governo federal (juntando os R$ 35 bilhões previstos para o Bolsa Família em 2021 e outros R$ 30 bilhões que o relator quer injetar na iniciativa).