Correio braziliense, n. 21043, 04/01/2021. Política, p. 3

 

Um janeiro atípico em Brasília

Ingrid Soares 

Wesley Oliveira 

04/01/2021

 

 

Tradicionalmente conhecido por ser um mês apagado e de poucas movimentações políticas em Brasília, este janeiro promete mudar essa regra, ao menos, no Legislativo e no Judiciário. De um lado, parlamentares se envolvem nos acordos para as eleições das presidências da Câmara e do Senado, marcadas para 1º de fevereiro. Já no Supremo Tribunal Federal (STF), parte dos ministros abriu mão das férias de verão para despachar da capital federal.

No Senado, a disputa está indefinida, mas o nome de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ganha cada vez mais força. Ele tem o apoio do atual presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e tenta construir um acordo com partidos de oposição. Presidente nacional do partido, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto entrou de cabeça nas negociações e vai focar a agenda dos próximos dias para tentar fechar maioria pelo parlamentar.

Enquanto isso, o MDB, que conta com a maior bancada da Casa, busca fechar consenso sobre um nome para entrar na corrida. No páreo, Simone Tebet (MS), Eduardo Gomes (TO) e Fernando Bezerra (PE). Os dois últimos contam com mais simpatia do Palácio do Planalto, já que ocupam os postos de líderes do governo no Legislativo.

Na Câmara, dois nomes já estão em busca de votos. Arthur Lira (PP-AL) é o candidato que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, enquanto Baleia Rossi (MDB-SP) foi lançado numa aliança costurada pelo atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

 Nesta semana, Lira começa uma série de viagens pelo país para encontros com lideranças políticas. A intenção do líder do Centrão é conseguir angariar votos de parlamentares que compõem o bloco de Maia, mas estão descontentes com a candidatura de Rossi. Entre esses partidos estão PSB, PSDB e PSL. O grupo de Lira estima conseguir o apoio de, ao menos, 61 deputados dos três partidos.

Já Rossi espera que o PT embarque de vez na candidatura dele. Apesar de a sigla ter firmado acordo com Maia, uma ala dos petistas resiste ao nome do emedebista, principalmente pelo fato de ele ter votado a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Esse grupo defende uma candidatura própria da esquerda, e um apoio formal ao candidato do MDB só ocorreria em um eventual segundo turno.

Tentando evitar um revés, Rossi vai ganhar um reforço para sua articulação, por meio do ex-presidente Michel Temer, que, nos próximos dias, vai conversar com deputados em nome do postulante do MDB. Temer é padrinho político de Rossi e tem grande trânsito com os parlamentares da Câmara.

O grupo de partidos que deve apoiar o emedebista soma 268 deputados, que ultrapassa os 257 mínimos para eleger, em primeiro turno, o presidente da Câmara. Já o bloco de Lira tem 205. No entanto, como o voto é secreto, o cenário pode se inverter, caso as 61 expectativas de traições ao grupo de Baleia Rossi se confirmem.

Para o cientista político Cláudio Monteiro, todas essas movimentações só terão efeito prático nas agendas de interesse dos próprios políticos. “A gente vê um janeiro atípico na pauta política por causa das eleições das Mesas Diretoras. Ambas as negociações estão voltadas para os interesses dos pares e não vemos, nas negociações, projetos e reformas que, de fato, impactem na vida dos brasileiros”, afirma.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Estratégia de ministros do STF 

04/01/2021

 

 

Enquanto as pautas no Legislativo envolvem as disputas pelas cadeiras da Presidência do Senado e da Câmara, o cancelamento das férias por parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é visto como uma forma de limitar os poderes do presidente da Corte, Luiz Fux. O magistrado, que assumiu o comando da Corte em setembro, vem enfrentando desgastes e não poderá cravar decisões de forma monocrática no recesso.

Dos 11 ministros, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski suspenderam as férias e vão despachar de seus gabinetes em Brasília, durante todo o mês de janeiro. Esta é a primeira vez, nos últimos 15 anos, que um número tão grande de ministros decide manter o trabalho em pleno recesso.

Entre as pautas passíveis de serem decididas de forma monocrática por Fux está o habeas corpus pedindo a derrubada de uma liminar, dada pelo presidente do STF, que suspendeu, por tempo indeterminado, a implementação do juiz de garantias.

Após o texto ter sido sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, Fux suspendeu esse trecho da lei (leia Saiba mais) até que o plenário julgasse o caso, o que ainda não ocorreu. O HC ainda não foi distribuído para um ministro relatar.

A iniciativa dos magistrados de suspenderem as férias foi vista como uma forma de evitar que o caso caísse nas mãos de Fux. “O Supremo não tem coesão e, quase sempre, as decisões colegiadas são apertadas. Para impedir mal-estar, alguns ministros decidiram evitar decisões unilaterais. Creio que é algo que deveria ocorrer anualmente: ter sempre um número mínimo de magistrados no recesso para analisar uma causa”, defende Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Já para Vera Chemim, constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o julgamento do STF que rejeitou a possibilidade de reeleição para as Presidências do Senado e na Câmara, dentro da mesma legislatura, foi determinante para a crise entre os ministros. Em dezembro passado, a Corte vetou a medida por um placar de seis a cinco.

“Ao que parece, a decisão apertada no plenário do STF, em não permitir a reeleição dos atuais presidentes das duas Casas Legislativas na mesma legislatura, foi o estopim da crise institucional. Na mesma direção, a continuidade das atividades de certos ministros contém, nas entrelinhas, o objetivo de esvaziar o poder de decisão do atual presidente, Fux, em relação ao deferimento de liminares no âmbito de processos de relatoria de outros ministros”, destaca.

Chemim ressalta que, além da discussão da criação do juiz de garantias, estão nas pautas sensíveis da Corte a continuidade do desmonte da Lava-Jato — operação de combate à corrupção —, seja por meio de atos administrativos e judiciais, seja pela modificação de leis. “Infelizmente, essas são as razões da continuidade das atividades nos Poderes, razões que passam longe da preocupação em pensar nas reais necessidades do Brasil”, diz. (IS e WO)