Correio braziliense, n. 21043, 04/01/2021. Cidades, p. 13

 

Como o DF enfrentará a pandemia em 2021

Alan Rios 

04/01/2021

 

 

Os primeiros meses de 2020 foram tomados por sensações de incertezas, olhar atento para o que acontecia em outros países e o começo de um trabalho intenso de pesquisadores que até hoje tentam decifrar a covid-19. A doença chegou ao Distrito Federal em 7 de março, quando o Ministério da Saúde confirmou oficialmente o primeiro caso na capital. Daquele dia em diante, surgiram questionamentos sobre como o novo coronavírus agia no corpo, quando seria o início da aplicação de um tratamento eficaz e, finalmente, a perspectiva do fim da pandemia. O ano de 2021 começa com algumas dessas perguntas sem resposta.

Estudiosos que analisaram o avanço do vírus no DF em 2020 colocam como o principal desafio deste ano estabelecer uma data de vacinação imediata. Tarcísio Rocha Filho, físico do Núcleo de Altos Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento, da Universidade de Brasília (UnB), faz parte de um grupo nacional de pesquisadores que estimou cálculos preocupantes de mortes a cada período sem uma imunização. Ele destaca três ações prioritárias para os próximos meses com o objetivo de evitar mais óbitos: vacinar a população de forma rápida, contar com o maior número de doses possível e, enquanto isso, continuar medidas de controle da pandemia, como o isolamento social.

"As imunizações não são feitas da noite para o dia, elas demandam tempo. E, se a gente vacinar com a pandemia fora de controle, ainda há uma grande preocupação. No DF, temos uma das maiores letalidades do vírus, também porque tivemos mais gente atingida e testamos bastante", pontua. A capital terminou 2020 como a unidade da Federação que mais realizou testes da covid-19, proporcionalmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas também como a segunda região do país com mais mortes a cada 100 mil habitantes em decorrência da doença, registrando 140 óbitos a cada 100 mil moradores, maior do que a média nacional e atrás apenas do Rio de Janeiro, com 144,47.

A efeito de comparação, em 1º de julho de 2020, o DF estava em sexto lugar entre as maiores taxas de óbitos acumulados por 100 mil pessoas. Desde então, ultrapassou São Paulo, Ceará, Amazonas e Roraima (veja quadro). "O DF respondeu muito bem ao início da pandemia, com isolamento sério. Não chegou a ser um lockdown, como a Espanha fez, por exemplo. O problema é que o vírus é ativo o ano inteiro, pouco importa o clima. Nosso isolamento foi se afrouxando e voltamos a abrir (serviços não essenciais) muito cedo. Na França, se esperou cinco casos por semana para cada 100 mil habitantes antes de abrir para o verão. Aqui no DF, começou a abrir com 80 novos casos em sete dias para cada 100 mil", aponta o especialista.

Somando esses fatores com o fato de uma porcentagem alta da população ainda suscetível ao vírus, percebe-se que uma segunda onda pode ser mais forte, segundo Tarcísio. "Aqui no DF, onde tivemos muita gente contaminada, cerca de 26%, ainda estamos bem distantes da imunidade de rebanho, que é de, pelo menos, 70% de infectados. Então, a pandemia não vai passar por conta própria."

Tarcísio afirma que é preciso entender que o vírus não vai desaparecer, mesmo com a vacina, o que reforça a necessidade de ferramentas de contenção e menores exposições da população às aglomerações. "Vamos comparar com o sarampo, uma doença para a qual já existe vacina desde os anos 1960. A imunização tem eficácia alta, mas até hoje temos surtos, porque há parcelas da população que não se vacinaram. Se não tiver cobertura alta da vacina contra o coronavírus, de 90% da população, vamos continuar com surtos localizados."

Vacina
O DF aguarda a aquisição de vacinas do governo federal, por meio do Ministério da Saúde. A Secretaria de Saúde do DF afirma que todos os planejamentos prévios estão sendo realizados para agilizar o processo após a chegada dos primeiros produtos. "Hoje, estamos extremamente satisfeitos com nossa rede de frios, temos um Plano Distrital de Vacinação completo e vamos ainda trabalhar medidas de segurança em relação à covid-19, com a vacinação, que durar até o segundo quadrimestre do ano", avalia o secretário de Saúde, Osnei Okumoto.

O Governo do Distrito Federal (GDF) prevê imunizar 678.750 pessoas contra o novo coronavírus em quatro fases prioritárias, em que são incluídos profissionais da saúde, idosos, pessoas com comorbidades, professores e profissionais das forças de segurança e salvamento.

O secretário detalhou ao Correio que a pasta chegou a conversar com fabricantes de produtos vacinais ao longo de 2020. "Entramos em contato com as fabricantes da Rússia, da Inglaterra e do Butantan. Em todas as reuniões com elas, verificamos questões como o valor da vacina, temperatura de armazenagem e disponibilidade de fornecimento. Deixamos em alerta nossa situação para auxiliar na vacinação do DF, junto às vacinas que seriam disponibilizadas pelo ministério. Mas, hoje, temos informação de que há segurança sobre a disponibilização do governo federal", garante Okumoto.

"Hoje, temos, nas quatro últimas semanas, um decréscimo na taxa de transmissão do vírus. Estávamos com 1,3 de taxa de transmissão, alteramos o horário de fechamento dos bares e restaurantes e agora estamos abaixo de 1, fazendo sempre um trabalho de conscientização junto à população e às entidades", observa. A pasta também ressalta que a média móvel de casos da covid-19 — ou seja, a comparação de todos os casos confirmados dos últimos sete dias com a semana anterior — ficou em queda em dezembro.

Vulnerabilidade
Outro desafio do governo local para 2021 é conter o avanço da pandemia em regiões administrativas mais vulneráveis ao vírus. O mês de dezembro chegou ao fim com as cidades de Sobradinho 1, Taguatinga, Núcleo Bandeirante, Gama, Ceilândia e Riacho Fundo 1 com as maiores taxa de óbito em decorrência do novo coronavírus, proporcionalmente. Ceilândia é o local com mais casos e mortes totais. Para analisar as faces desses problemas e propor soluções, a Companhia de Planejamento (Codeplan) chegou a apresentar ao GDF, no início da primeira onda, um estudo sobre questões urbanas na transmissão da covid-19, que pode embasar ações futuras.

"Na pesquisa, percebemos um DF muito desigual", afirma Renata Florentino, diretora de Estudos Urbanos e Ambientais da companhia. "Temos a população de menor poder aquisitivo com a questão da densidade domiciliar, ou seja, ambiente pequeno para a quantidade de pessoas, e ela não consegue se isolar em casa. Também levantamos, e continua sendo monitorado, a questão da informalidade, porque o trabalhador nessa condição não consegue se afastar por motivo de doença, não pode fazer home office", completa.

 Evolução
Taxa de óbitos acumulados a cada 100 mil pessoas por unidade da Federação

1º de julho de 2020
Amazonas: 68,60
Ceará: 67,67
Rio de Janeiro: 59,07
Roraima: 51,84
São Paulo: 32,73
Brasil: 28,85
Distrito Federal: 20,56

1º de janeiro de 2021
Rio de Janeiro: 147,87
Distrito Federal: 141,25
Roraima: 128,93
Mato Grosso: 127,85
Amazonas: 127,52
Espírito Santo: 126,41
Ceará: 109,39
Brasil: 92,77

Fonte: Ministério da Saúde

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Cautela e prudência 

04/01/2021

 

 

Em abril de 2020, o Observatório PrEpidemia, da UnB, emitiu uma nota técnica assinada por 18 pesquisadores, intitulada Cenários da epidemia de covid-19 no Distrito Federal. O estudo foi realizado quando a capital tinha apenas 968 casos confirmados e 26 mortes, e contava com projeções de acordo com diferentes cenários de ações. Os cálculos produzidos pelo grupo foram repetidos em quatro situações possíveis, para evidenciar o que poderia acontecer diante das melhores e piores expectativas. O cenário 1 seria se houvesse o relaxamento total das medidas de contenção impostas em abril. A escala segue até o cenário 4, com medidas mais rígidas.

A nota estimava cerca de 6 mil mortes em 2020 diante do pior cenário, além de "um elevado pico de demandas hospitalares, o que pode sobrecarregar o sistema de saúde e causar mortes que poderiam ser evitadas com o acesso assistencial adequado". No dia 31 de dezembro de 2020, o DF computou 4.259 mortes pela doença. Para Roberto Bittencourt, médico, pesquisador do PrEpidemia e doutor em Saúde Pública pela Fiocruz, "estamos ficando entre o cenário inalterável e pessimista". "O pessimista passou a prevalecer desde outubro, na taxa de óbitos, que é o padrão para verificar se a pandemia tem evolução mais ou menos dramática. Insistimos muito, nas notas técnicas, o que teria que ser feito, prezando a vigilância epidemiológica. Mas a pandemia entrou nas regiões administrativas que são mais atingidas e vulneráveis a ela", analisa.

Roberto pontua, porém, que algumas ações foram essenciais para que os números não fossem mais trágicos. "O GDF foi o primeiro a fechar as escolas e isso foi muito assertivo. Também conseguimos atingir 65% de isolamento social no começo da pandemia e, assim, ganhamos um tempo bom nos primeiros três meses para nos estruturarmos. A ação que a Secretaria de Saúde fez em relação aos leitos de UTI também foi correta, porque ela percebeu que já existia um deficit de leitos", detalha.

O especialista opina que o contexto da pandemia no fim do ano deixa espaço para preocupações. "Temo muito o nosso 2021. Não temos como ficar otimistas, pois dependemos da vacina. Vamos passar um ano de muita dificuldade, tem muita gente ainda para ser infectada. A segunda onda está com ingredientes que pedem cautela. Começam a surgir pesquisas que mostram mutações do vírus, embora elas aconteçam em todos os vírus, pela própria natureza, e grande parte delas não aumentam a letalidade. Mas nada garante que não surjam mutações mais letais", detalha Roberto.

Os caminhos para evitar novos cenários pessimistas são vários, segundo o médico. "A gente tinha que ter as medidas de vigilância epidemiológicas, uma testagem em massa, rastreamento dos contatos de pessoas infectadas e retirada de contaminados do convívio social por 14 dias, colocando a pessoa em hotel, centro olímpico, algo neste sentido. Porque muitas vezes a pessoa mora em condições inadequadas", afirma.

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Desafio conjunto 

04/01/2021

 

 

Com o relaxamento do comportamento nos últimos meses, podemos esperar um incremento substancial no número de infectados no início de 2021. Em verdade, a busca por atendimento já vem aumentando desde o final do ano. Da mesma forma, a incidência de casos é crescente. E, sem dúvida alguma, o principal motivo disso é o comportamento da sociedade. Quando se trata de enfrentar uma doença altamente transmissível, como a covid-19, o comportamento humano pode ser tanto parte do problema quanto da solução. Mesmo em locais onde há alta adesão populacional às medidas comportamentais, com o passar do tempo, as pessoas tendem a se acostumar com a presença da ameaça viral, o que faz com que a adesão às medidas sanitárias diminua. Seria o chamado fenômeno de “descalibração da normalidade”, em que se passa a ser normal conviver com o novo vírus e fica mais difícil perceber que as ações de enfrentamento são eficazes, necessárias e justas.

Ana Helena Germoglio, infectologista do Hospital Águas Claras