Valor econômico, v. 21, n. 5183, 05/02/2020. Brasil, p. A2

 

Sem gasto com covid-19, investimento federal recua mais de 20% em 2020

Fabio Graner

Edna Simão

05/02/2021

 

 

Com queda de 76%, Ministério da Ciência e Tecnologia lidera cortes

Apesar de o investimento total do governo federal ter crescido no ano passado, superando a marca de R$ 100 bilhões, o desempenho dessa rubrica foi bem menos brilhante do que parece. Sem os gastos ligados à covid-19 que somaram R$ 62,5 bilhões (R$ 59 bilhões só em aporte em fundos garantidores para ajudar no crédito, sem se traduzir diretamente em obras), essa conta na verdade teve queda de mais de 20% em 2020.

Uma análise detalhada e excluindo-se os investimentos ligados à pandemia, dois terços dos ministérios tiveram redução nessa rubrica, conforme dados do Tesouro Nacional solicitados pelo Valor.

No Ministério da Ciência e Tecnologia, a queda foi de 75,7%, a maior da Esplanada. O tombo fica ligeiramente menor quando se consideram recursos da covid, mas ainda assim o recuo muito forte para quem investiu mais de R$ 1,5 bilhão em 2019. Até a conclusão desta edição a assessoria não deu explicações para o movimento.

A pasta da Defesa teve recuo de 50%. O ministério explicou que o movimento ocorreu por um efeito de base de comparação. Em 2019, houve a capitalização da Engeprom (R$ 7,2 bilhões), a estatal do setor naval. Com isso, a Defesa perdeu o posto de maior investidor para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), chefiado por Rogério Marinho.

Mas o MDR também teve recuo dessa rubrica, de 4,3%. Para compensar a tendência de queda, a pasta quer atrair a iniciativa privada e aposta em medidas como o marco do saneamento e reestruturação dos fundos de desenvolvimento regionais.

Educação também teve redução, de 19,9%. Com seu pequeno orçamento, Direitos Humanos ainda caiu 73,6%. No caso da Saúde, como houve investimentos fortes por causa da covid-19, houve alta no agregado. Mas ao se excluir o dinheiro extra da pandemia, haveria queda de 11%.

Entre as poucas altas, destaques são os ministérios do Turismo e da Justiça. O primeiro subiu 150% e o segundo dobrou seus investimentos. “[O ministério do Turismo] tem focado suas ações no andamento e na finalização de obras, algumas iniciadas em governos anteriores. Para isso, foi feito um trabalho de articulação junto ao Congresso”, respondeu a

A Justiça destacou que teve o maior orçamento da história e atuou considerando a prioridade dada para políticas de combate à criminalidade. “Foi repassado R$ 1,2 bilhão, na modalidade fundo a fundo, aos Estados e Distrito Federal para compra de veículos, armamentos, viaturas e capacitações dos profissionais de segurança pública. Houve investimento robusto também no Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas (Vigia)”, respondeu em nota, citando outros programas.

Para o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, José Ronaldo Souza Júnior, com a situação fiscal do país - registrando déficit primário desde 2014 -, já era esperada uma redução geral dos investimentos. Ele avalia que o governo precisa ampliar o espaço para esse gasto via melhoria do ambiente macroeconômico, retomando a consolidação fiscal para reduzir gradualmente o patamar da relação dívida bruta/PIB e atrair o investimento privado. “Não temos no horizonte de curto e médio prazos como contar com o investimento público”, frisou.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, disse que, com a atual dívida pública, não vê espaço para acelerar investimento público agora. “O governo deveria rapidamente acelerar os programas de concessões e negociar ativamente com o Congresso para as privatizações começarem a ser preparadas para pelo menos acontecer em 2023”, destacou..

Segundo ele, o investimento será o foco das discussões sobre a sustentação da regra do teto, que ele defende manter no momento por causa do poderio do Centrão, mas que no futuro poderia ter uma regra mais flexível. “Há um fôlego ano que vem com o ajuste do Orçamento de 2022 sendo feito com um IPCA na casa dos 6%, mas as dificuldades de manter o investimento permanecerão”, afirmou.

Vale aponta que a discussão sobre investimento será intensa devido à nova visão de política fiscal nos países desenvolvidos. “Nos EUA estará muito presente, mas o problema é que isso não vale para o Brasil. Aqui os juros no ano que vem deverão estar em 5%, sem falar no de longo prazo, que está acima de 8%. Será um embate muito grande.”

Para o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a única forma de o governo recuperar sua capacidade de investir é avançar na agenda do ajuste fiscal. “Não há espaço neste momento e não vai haver tão cedo”, frisou. Ele destacou que, enquanto não se mexer nos gastos obrigatórios, o cumprimento do teto de gasto será feito com redução da discricionária.

Salto destacou que a aprovação de reformas é importante, mas não tem um condão para mudar todo o panorama. Para ele, o aprimoramento das regras fiscais, como teto de gastos, “é um debate que não pode ser interditado”, mas “no momento atual, não é oportuno”.

O especialista em contas públicas Guilherme Tinoco lembra que a regra do teto tinha por objetivo promover uma queda nas despesas obrigatórias, mas teve pouco sucesso e por isso o investimento vem sendo constantemente pressionado.

“As perspectivas para os investimentos não são muito boas. Mesmo que o governo consiga abrir espaço em despesas obrigatórias, haverá disputa com programas sociais”, disse, referindo-se às discussões sobre programas de renda, como Bolsa Família e auxílio emergencial. Ele tem defendido uma regra que flexibilize um pouco o teto para proteger os investimentos.

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Falta de aprovação barra recursos da Lei Kandir

Rodrigo Carro

05/02/2021

 

 

Estados e municípios deixam de receber R$ 332 milhões

Por falta de aprovação do Orçamento federal para 2021, R$ 332,3 milhões em recursos referentes à recomposição por perdas ocasionadas pela Lei Kandir deixaram de ser pagos a Estados, municípios e ao Distrito Federal em janeiro.

O problema pode se repetir neste mês caso a proposta orçamentária não seja votada - a expectativa dos novos presidentes da Câmara e do Senado é que a aprovação ocorra até março.

Ao todo, Estados, municípios e o Distrito Federal têm R$ 4 bilhões a receber neste ano, conforme previsto na Lei Complementar 176, sancionada em dezembro do ano passado. Um quarto desses recursos está destinado aos municípios, e o restante, para Estados e Distrito Federal.

A Lei Kandir, de 1996, estabeleceu a isenção do pagamento de ICMS sobre exportações de produtos primários e semielaborados ou serviços. Apesar de o ICMS ser um tributo estadual, 25% da arrecadação do imposto é repassada aos municípios.

A Lei Complementar 176 estipula o pagamento das compensações em 12 parcelas mensais de igual valor. Na prática, isso significa que, se uma nova parcela deixar de ser paga neste mês, o total de pendências chegaria a quase R$ 665 milhões, valor referente a duas parcelas.

“Está combinado, a primeira parcela que for paga vai ter de incluir os atrasados todos de uma só vez”, diz o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi.

Ele conta que discutiu o tema nesta semana com representantes da Secretaria de Governo e do Ministério da Economia. “Eles me garantiram que vão pagar assim que for votado o Orçamento”, acrescenta. Aroldi acredita que a votação acontecerá ainda este mês.

Secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Gilberto Perre considera “preocupante” o atraso na votação da peça orçamentária. “É algo que coloca em xeque a programação financeira dos municípios”, sustenta Perre.

Perre argumenta que o fluxo de caixa das prefeituras já está “altamente tensionado” em função da crise econômica gerada pela covid-19. E, também, de despesas com saúde, transporte e educação, que devem aumentar com o fim da pandemia. “[O atraso no pagamento da parcela] insere um ingrediente de imprevisibilidade. Claro que isso gera dificuldades para as prefeituras”, afirma Perre.

O Ministério da Economia esclareceu por meio de sua assessoria de imprensa que, de cada parcela mensal de aproximadamente R$ 332,3 milhões, R$ 250 milhões são destinados aos Estados e ao Distrito Federal. O valor restante vai para os municípios. “A transferência será feita assim que a situação de autorização orçamentária for regularizada”, informou a pasta por e-mail.

No ano passado, o montante total de R$ 4 bilhões foi pago de uma só vez, lembra Aroldi, da CNM. Segundo ele, os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) feitos pela União em janeiro, somados, ficaram abaixo do previsto, o que gerou preocupação entre os prefeitos.

Ao todo, a União vai desembolsar R$ 58 bilhões até 2037 para recompor perdas ocasionadas pela Lei Kandir. Entre 2020 e 2030 serão entregues R$ 4 bilhões por ano a Estados, municípios e Distrito Federal. Já no período de 2031 a 2037, esse montante será reduzido progressivamente em R$ 500 milhões a cada ano, conforme determinado na Lei Complementar 176.