O Estado de São Paulo, n.46370, 01/10/2020. Política, p.A4

 

Bolsonaro acena a Centrão e ala do STF com escolha

Jussara Soares

Breno Pires

Tânia Monteiro

Patrik Camporez

01/10/2020

 

 

Novo ministro. Presidente informa a Gilmar Mendes e Dias Toffoli que desembargador Kassio Marques assumirá vaga de Celso de Mello; nome agrada a políticos no Congresso

O presidente Jair Bolsonaro informou a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que escolheu o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), para assumir uma cadeira na Corte. A vaga é a do decano Celso de Mello, que vai se aposentar em 13 de outubro. O nome agradou a políticos do Centrão, que querem enfraquecer a Lava Jato, e à ala do Supremo que faz restrições a investigações conduzidas pela força-tarefa.

Bolsonaro comunicou sua decisão durante encontro, anteontem à noite, com os ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli. A reunião ocorreu na casa de Gilmar e foi intermediada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) . Na conversa, Bolsonaro deu sinais de que deseja se aproximar do STF, com quem teve vários confrontos recentemente. Gilmar e Toffoli integram o grupo da Corte que faz críticas à Lava Jato.

Embora Marques tenha bom relacionamento com políticos e magistrados, o presidente da Corte, Luiz Fux, reagiu com contrariedade à indicação do ex-vice-presidente do TRF-1. A irritação de Fux, segundo apurou o Estadão, foi porque ele enxergou interferência de Gilmar na decisão de Bolsonaro. Ministros dizem que o STF não se envolveu nas articulações para emplacar Marques.

Fux só soube da escolha pela imprensa. Ele nunca escondeu a preferência pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão. Até recentemente, Marques estava em campanha para ocupar uma cadeira no STJ, no lugar de Napoleão Nunes Maia, que se aposenta em dezembro.

Na prática, o agora favorito de Bolsonaro para o Supremo – que não é "terrivelmente evangélico" nem toma cerveja com ele, duas condições antes consideradas essenciais pelo chefe do Executivo – ainda precisa ter a indicação formalizada. Somente depois disso, ele passará por uma sabatina no Senado. Ontem, porém, políticos do Centrão – bloco que reúne cerca de 200 parlamentares – já comemoravam a decisão.

"Todos nós do Piauí estamos na torcida para que se concretize a indicação do dr. Kassio, que seria o primeiro piauiense em mais de 50 anos no STF", escreveu no Twitter o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas. Caso a indicação de Marques, de 48 anos, seja mesmo confirmada, ele será o primeiro representante do Nordeste na atual composição da Corte. O último foi Carlos Ayres Britto, que é sergipano e se aposentou em 2012. De olho no  projeto da reeleição, em 2022, Bolsonaro tenta se aproximar cada vez mais do Nordeste, antigo reduto petista. Recentemente, ele viu sua popularidade crescer na região, de acordo com pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Fritura. Ao mesmo tempo que o Centrão aplaudia, muitos militantes bolsonaristas "fritavam" o desembargador nas redes sociais. Mensagens que circulavam pelo Whatsapp e em plataformas como Twitter e Facebook lembravam que Marques foi indicado para o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região pela então presidente Dilma Rousseff (PT), em 2011. Diziam, ainda, que ele é "ligado" ao governador do Piauí, Wellington Dias, também do PT.

No Palácio do Planalto, auxiliares de Bolsonaro observavam, à noite, que a indicação de Marques não está 100% fechada. Aliados chegaram a enviar fotos a ele nas quais o desembargador aparece sorridente, ao lado de Dias.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, que se tornará o mais antigo na Corte com a saída de Celso de Mello, o perfil de Marques é positivo. O desembargador é considerado garantista. "É sempre bom ter garantistas na Corte, pois nossa atuação é vinculada e os direitos e franquias constitucionais e legais, eles são acionados por quem cometer desvio de conduta", afirmou Marco Aurélio, que vai se aposentar em julho de 2021.

A expectativa no STF é a de que temas como aborto tenham forte resistência de Marques, se ele ocupar uma cadeira na Corte. O desembargador é conhecido pelo conservadorismo na agenda de costumes.

O nome surgiu na última hora como solução para os problemas de Bolsonaro, que tinha como opções os ministros da Secretariageral da Presidência, Jorge Oliveira, e da Justiça, André Mendonça. A avaliação é a de que tanto Jorge quanto Mendonça ocupam cargos-chave e a indicação de qualquer um deles implicaria uma obrigatória mexida no governo. Além disso, no Congresso, o nome de Mendonça enfrenta resistências.

VAGAS NA CORTE

• Celso de Mello Decano da Corte, que fará 75 anos, antecipou aposentadoria para 13 de outubro.

• Marco Aurélio Mello Ministro se aposentará em julho de 2021, aos 75 anos.