O Estado de São Paulo, n.46370, 01/10/2020. Política, p.A6

 

Desembargador é o 'nosso Kassio' para líder do Progressistas

Vera Rosa

01/10/2020

 

 

A indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF) está amarrada à expectativa de políticos do Centrão de enterrar a Lava Jato. Chamado de "nosso Kassio" por Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas, o ministro que deve ocupar a cadeira de Celso de Mello no Supremo já foi várias vezes elogiado pelo senador.

Há um ano e três meses, por exemplo, Ciro fez até uma previsão de que o magistrado – à época vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região – chegaria à Corte. "Nosso Kassio é uma figura respeitadíssima no mundo jurídico. Tenho certeza de que vai chegar aos tribunais superiores: ou STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou Supremo", disse ele, em junho de 2019.

O Centrão abriga vários investigados pela Lava Jato, mas o jogo virou: em vez de serem julgados, seus integrantes agora "fazem" os juízes. O próprio Ciro é réu no STF pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O senador nega as acusações.

Desde 2014, a Lava Jato alvejou vários deputados e senadores, da esquerda à direita. Os bolsonaristas, porém, só passaram a pregar o fim da operação após a saída do ex-juiz Sérgio Moro do Ministério da Justiça. No Palácio do Planalto, ministros dizem que o nome ungido por Bolsonaro é de "extrema confiança". Ao escolher Kassio, o chefe do Executivo agradou ao Centrão e contemplou o Nordeste, antigo reduto do PT. A exemplo de Ciro, Kassio também é do Piauí e, apesar do perfil discreto, mantém bom relacionamento com o mundo político.

Nos bastidores, parlamentares afirmam que a entrada de Kassio no STF também está ancorada em um acordo para facilitar a reeleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado, em fevereiro de 2021.

Se tiver mesmo o nome confirmado para a vaga de Celso de Mello, Kassio deve seguir o entendimento de que cabe ao Congresso autonomia para decidir o assunto. Com mais esse voto, o Supremo teria maioria para dar tal veredicto, que, na prática, abre uma avenida para a recondução de Alcolumbre no Senado. O tema da reeleição no Congresso precisaria, em tese, de aprovação nas duas Casas Legislativas, mas uma proposta assim dificilmente receberá sinal verde na Câmara. Sempre pode haver, porém, um projeto de resolução no meio do caminho, com aval do Planalto, para resolver esse imbróglio.