O Estado de São Paulo, n.46370, 01/10/2020. Internacional, p.A10

 

Bolsonaro diz que Biden abre mão de convivência cordial ao criticar Brasil

Emilly Behnke

Renato Vasconcelos

01/10/2020

 

 

Tensão. Presidente afirma que declaração de candidato democrata de que a Amazônia está sendo destruída e haverá 'consequências econômicas' se devastação continuar foi 'gratuita e desastrosa'; para ex-embaixador nos EUA, menção reflete imagem negativa do País

O presidente Jair Bolsonaro reagiu ontem à declaração do candidato democrata à presidência dos EUA, Joe Biden, sobre a Amazônia, afirmando que a fala foi "gratuita e desastrosa". Em suas redes sociais, Bolsonaro, em português e em inglês, disse que a soberania brasileira é "inegociável" e avaliou que a declaração sinaliza "abrir mão de uma convivência cordial e profícua" entre os dois países.

Durante o primeiro debate das eleições americanas, na terça-feira, Biden afirmou que pretende reunir países e oferecer US$ 20 bilhões (cerca de R$ 112,7 bilhões) para a proteção da região amazônica. Sem mencionar o governo brasileiro, Biden insinuou que, caso a destruição da floresta continuasse, haveria "consequências econômicas".

"A floresta tropical no Brasil está sendo destruída", disse o democrata. "Eu me reuniria e garantiria que os países do mundo venham com US$ 20 bilhões e digam 'aqui estão US$ 20 bilhões, parem de derrubar a floresta. E, se não fizerem isso, haverá consequências econômicas significativas'", completou, indicando possíveis retaliações ao governo brasileiro.

"A cobiça de alguns países sobre a Amazônia é uma realidade. Contudo, a externação por alguém que disputa o comando de seu país sinaliza claramente abrir mão de uma convivência cordial e profícua", respondeu Bolsonaro.

"Custo a entender, como chefe de Estado que reabriu plenamente a sua diplomacia com os EUA, depois de décadas de governos hostis, tão desastrosa e gratuita declaração. Lamentável, sr. Joe Biden, sob todos os aspectos, lamentável", afirmou Bolsonaro, que declarou ainda que negocia com o presidente Donald Trump "projetos de investimento sustentável que criem emprego digno para a população amazônica".

O Brasil tem sido alvo frequente de uma pressão internacional pela preservação da Amazônia. Já o governo rebate as críticas argumentando que se trata de uma campanha que tem como pano de fundo interesses econômicos da Europa.

Como tem feito em discursos recentes, Bolsonaro também disse ontem que o governo "está realizando ações sem precedentes para proteger a Amazônia". Os números, porém, dizem o contrário. O País registra índices recordes de desmatamento e queimadas, segundo dados do próprio governo divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Novos tempos. Rubens Ricupero, embaixador do Brasil em Washington entre 1991 e 1993, afirmou que, mesmo em caso de derrota de Biden, a comunidade internacional já se mobiliza para impor taxas diferenciais a países que continuam elevando níveis de poluição ou destruição da natureza.

Ricupero aponta que, com a adesão de um presidente americano, a cobrança sobre o tema seria mais imediata. "É inútil pensar que isso será apenas os EUA. Os EUA são um país com uma influência brutal e, se eles fizerem isso, é difícil imaginar que outros países não sigam o caminho. Se Biden for eleito, a questão ambiental vai ganhar visibilidade enorme", afirmou.

Além de um alerta sobre possíveis consequências econômicas, Ricupero disse que a menção de Biden ao Brasil reflete a imagem negativa do País no exterior. Para o ex-embaixador nos EUA, o Brasil se tornou um exemplo de má gestão ambiental para as demais nações.

"O contexto da fala de Biden mostra que o Brasil se tornou hoje a principal ameaça ambiental. Não há nenhum outro país no mundo que tenha adquirido essa centralidade. Tanto que é sempre o Brasil que aparece. Outros países podem também ter problemas ambientais, mas o Brasil virou pária número 1, é o grande vilão." Ainda de acordo com Ricupero, essa imagem negativa teria consequências ainda mais negativas se confirmada a vitória de Biden, isolando o Brasil em termos de política externa.

Ambiente

"Está tudo desmoronando, estamos falando de alguém que não tem relação com política externa. O Brasil, a floresta tropical do Brasil, está sendo demolida, está sendo destruída, mais carbono é absorvido naquela floresta tropical do que cada pedacinho de carbono que é emitido nos Estados Unidos. Em vez de fazer algo a respeito... eu me reuniria e garantiria que os países do mundo venham com US$ 20 bilhões e digam 'aqui estão US$ 20 bilhões, parem de derrubar a floresta. E, se não fizerem isso, haverá consequências econômicas significativas'"

Joe Biden

CANDIDATO DEMOCRATA EM DEBATE