O Estado de São Paulo, n.46371, 02/10/2020. Política, p.A9

 

Bolsonaro confirma indicação de Kassio Marques ao STF

02/10/2020

 

 

Presidente diz que 'amizade' foi 'importante' para escolha e promete evangélico em próxima vaga; militantes ligam desembargador ao PT

O presidente Jair Bolsonaro confirmou ontem a escolha do desembargador Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF). Numa transmissão ao vivo nas redes sociais, Bolsonaro destacou a "amizade" com o desembargador, com quem, segundo disse, já tomou "muita tubaína". Ao rebater críticas sobre a indicação, o presidente afirmou que aliados já defenderam que o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro fosse para a Corte. "Vocês acham que ele (Moro) seria um ministro leal às nossas causas? A questão de amizade é importante", disse o presidente.

A escolha de Marques agradou a uma ala do Supremo e a políticos do Centrão, que querem enfraquecer a Lava Jato, mas foi alvo de críticas por militantes bolsonaristas. Mensagens que circularam pelo WhatsApp e em plataformas como Twitter e Facebook lembravam que o desembargador foi indicado para o Tribunal Regional Federal da 1ª. Região (TRF-1), em 2011, pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Citavam, ainda, sua ligação com o governador do Piauí, Wellington Dias, também do PT.

O presidente também afirmou que vai indicar um evangélico para assumir a cadeira de Marco Aurélio Mello, que se aposenta em julho do ano que vem. Marques ainda deverá passar por sabatina no Senado. Para ser aprovado e assumir a vaga no STF, ele precisará receber o aval da maioria dos 81 senadores, em votação secreta.

Religiosos. Antes da confirmação de Bolsonaro, evangélicos influentes no Congresso e no governo protestaram contra a indicação de Marques, que desbancou nomes que tinham mais adesão entre apoiadores conservadores e cristãos, como o ministro da Justiça, André Mendonça, o juiz federal da 4.ª Vara de Niterói William Douglas e o juiz federal da 7.ª Vara Criminal do Rio Marcelo Bretas. Os três são evangélicos.

"Se, na outra vaga, ele não escolher um cara terrivelmente evangélico, aí sim vai gerar frustração e indignação", afirmou ao Estadão o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Mais tarde, nas redes sociais, Malafaia atacou Marques, aderindo às cobranças da base mais radical e conservadora. Para ele, Bolsonaro cometeu um "grave erro".

"Presidente, isso é uma vergonha. Não precisa ser evangélico, mas um terrivelmente da direita. É uma decepção geral. O senhor está colocando um camarada que atende ao Centrão, ao PT, à esquerda, a Ciro Nogueira, corruptos e quem é contra a Lava Jato", disse o pastor. "Nomeado por Dilma, amigo da petralhada, com posições socialistas e com mais de 30 representações contra si no CNJ (Conselho Nacional de Justiça)."

Bolsonaro respondeu às críticas durante a live: "Com tantos anos de PT, todo mundo teve alguma relação com eles. Não é por causa disso que o cara é comunista, socialista. Conheço ele já há algum tempo. Ele já tomou muita tubaína comigo."

O desembargador já foi alvo de 33 representações no CNJ. Deste total, 32 foram motivadas por atraso em processos. O Estadão apurou que uma das representações, sob sigilo, teve como motivo falha disciplinar.

O presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), Uziel Santana, também questionou a escolha. A entidade defende a indicação de Mendonça, que é pastor presbiteriano. "Não cremos ser a melhor opção, porque não se enquadra no perfil de um magistrado conservador, com histórico de afirmação de valores pró-vida e pró-família", disse Santana. "Seguimos acreditando que o presidente deve cumprir a promessa e nomear um magistrado conservador, evangélico, equilibrado."

Aliado de Bolsonaro, o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) minimizou a indicação. "Confio no feeling do presidente." Já Cezinha de Madureira (PSD-SP), vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica, afirmou que a bancada não deve interferir na escolha.

Reclamação

"Nomeado por Dilma, amigo da petralhada, com posições socialistas e com mais de 30 representações contra si no CNJ (Conselho Nacional de Justiça)."

Silas Malafaia

PASTOR DA ASSEMBLEIA DE DEUS VITÓRIA EM CRISTO