O globo, n. 31925, 02/01/2021. País, p. 5

 

Bolsonaro veta controle maior do Orçamento pelo Congresso

Manoel Ventura

Daniel Gullino

02/01/2021

 

 

Um dos trechos da LDO cortados pelo presidente criava emendas do relator-geral da peça orçamentária

O presidente Jair Bolsonaro vetou dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano que davam mais poder ao Congresso na definição do Orçamento da União. A LDO estabelece as regras gerais para o Orçamento e foi sancionada por Bolsonaro no último dia de 2020. O Orçamento de 2021, com toda a destinação das despesas, só será votado pelo Congresso a partir de fevereiro. Os vetos do presidente ainda serão submetidos aos parlamentares, quem podem mantê-los ou derrubá-los. Um dos vetos de Bolsonaro foi a um dispositivo que criava as emendas do relator-geral do Orçamento e de comissão. Na prática, essas denominações ampliariam o poder dos parlamentares na distribuição dos recursos, que geralmente são indicados para suas bases eleitorais. A alteração feita pelos parlamentares foi a mesma realizada em 2020, quando o relator-geral do Orçamento

Chegou a indicar R$ 30 bilhões em recursos, cerca de um terço de todas as despesas de investimentos e manutenção da máquina pública. O valor é um adicional às emendas parlamentares individuais e de bancadas, às quais os parlamentares já têm direito e são obrigatórias. A mudança em 2020 criou atritos entre parlamentares e a equipe econômica. Mas a evolução da pandemia de Covid-19 fez a polêmica arrefecer.

O veto atende a um pedido do Ministério da Economia, argumentando que a medida ampliaria a rigidez do Orçamento. A pasta diz também que a regra iria dificultar o atingimento da meta de resultado das contas públicas de 2021 — um rombo de R$ 247 bilhões — e a regra do teto de gastos, que limita as despesas da União. "Frise-se que os dispositivos em comento investem contra o princípio da impessoalidade que orienta a administração pública, ao fomentarem cunho personalístico nas indicações e priorizações das programações decorrentes de emendas, ampliando as dificuldades operacionais para a garantia da execução da despesa pública, o que contraria o interesse público", diz a justificativa.

Outro trecho vetado por Bolsonaro blinadava órgãos hoje controlados pelo centrão de interferência dos ministros em caso de bloqueio (contingenciamento) de despesas. Com as mudanças vetadas, as administrações da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São

Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) continuam sob as regras dos ministérios na hora dos bloqueios do Orçamento. O Congresso havia aprovado uma mudança para que a cúpula desses órgãos decidisse onde iria fazer o congelamento de gastos, e não o ministro.

Um terceiro trecho vetado por Bolsonaro, também a pedido do Ministério da Economia, fora inserido após articulação do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O dispositivo permitia o empenho de uma obra que só

Seria executada em anos seguintes. O objetivo da manobra era garantir que mais obras fossem executadas. A equipe econômica argumentou, ao pedir o veto, que essa mudança fere o princípio da anualidade orçamentária e vai contra o interesse público.

 RECORDE

O Congresso deve impor ao Executivo um valor recorde de emendas parlamentares ao Orçamento. Na elaboração do plano de gastos do ano que vem, o Legislativo definirá o destino de uma cifra de cerca de R$ 17,7 bilhões — ainda maior do que os R$ 15,4 bilhões remetidos a emendas individuais e de bancadas estaduais em 2020. No ano passado, pela primeira vez, as emendas das

Bancadas estaduais — de parlamentares de cada estado — foram impositivas, ou seja, de pagamento obrigatório. Isso significa que o governo teve que pagar R$ 5,9 bilhões conforme indicado pelo Congresso. Essa quantia deve aumentar para cerca de R$ 8 bilhões em 2021, já que foi aprovado um aumento gradual ano a ano. As emendas individuais, também de pagamento obrigatório, devem aumentar de valor ou permanecer no mesmo patamar. A previsão no Orçamento enviado pelo governo é de R$ 9,7 bilhões, mais do que os R$ 9,5 bilhões a que parlamentares tiveram direito este ano.

Bolsonaro vetou ainda trecho que blindava órgãos controlados pelo centrão

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Ano novo, velha polêmica com os parlamentares

02/01/2021

 

 

Em 2020 o Congresso também tentou aumentar seu controle sobre o Orçamento da União, e essa polêmica marcou a relação entre o Legislativo e o Executivo federal no início do ano passado.

Depois de semanas de negociação, as duas partes chegaram a um acordo e o Congresso manteve o veto do presidente Jair Bolsonaro a trecho da proposta de diretrizes para o Orçamento de 2020 que dava aos parlamentares o poder de controlar R$ 30,1 bilhões. Para não perder a gestão de toda a quantia, com a eventual derrubada do veto, o Palácio do Planalto acertou a manutenção dele em troca do encaminhamento de projetos que mantinham R$ 19 bilhões nas mãos do Congresso. Durante a negociação, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, chegou a classificar os congressistas como "chantagistas". Também houve desentendimento entre Câmara e Senado, que queriam ritos diferentes na votação. Da forma como a proposta de diretrizes do Orçamento de 2020 tinha sido votada, o então relator da peça orçamentária, deputado Domingos Neto (PSD-CE), teria o controle de R$ 30,1 bilhões. Isso esvaziaria o poder dos ministros, que teriam uma fatia menor de recursos sob seus comandos. Pelo acordo firmado, R$ 19 bilhões ficaram nas mãos do relator, que seria responsável pelo fatiamento entre os congressistas. As emendas parlamentares e as emendas de relator são parte do orçamento de investimentos. Essa fatia tende a ser reduzida com o aumento dos gastos obrigatórios ano a ano, já que há um teto de gastos constitucional.

Em 2015, no governo Dilma Rousseff, o Congresso mudou a Constituição para tornar impositivas as emendas individuais. O relator do Orçamento era o então senador Romero Jucá (MDB-RR). A mudança já era um sinal de enfraquecimento do Executivo diante do Congresso, o que se agravou na gestão de Michel Temer e Bolsonaro. Desde então, porém, após garantir o pagamento das emendas, o Congresso aumentou a pressão sobre o Orçamento "livre" dos ministérios. Em votações importantes, como foram recentemente a Reforma da Previdência e o redesenho ministerial do governo Bolsonaro, são liberados pagamentos "extras" de indicações informais para as bases.