O globo, n. 31926, 03/01/2021. País, p. 6

 

Curso para bolsonaristas quer evitar “novo PSL'

Guilherme Caetano

03/01/2021

 

 

Aliança pelo Brasil e instituto de Eduardo Bolsonaro planejam aulas para instruir militância com os  “valores do conservadorismo'

 O Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro tenta criar, planeja uma parceria com o Instituto Conservador Liberal (ICL), fundado no mês passado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP), para promover o que tem sido chamado de “qualificação” da direita bolsonarista no Brasil. Enquanto os advogados Admar Gonzaga, Karina Kufa e o empresário Luís Felipe Belmonte trabalham para colocar o partido de pé até março, prazo estipulado por Bolsonaro, um grupo mais ideológico, liderado por Eduardo e pelo também deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), estrutura o curso.

A meta é alinhar ideologicamente os quadros do partido para evitar um “novo PSL”, em que, segundo a ala bolsonarista rompida com o presidente da sigla, Luciano Bivar, haveria “infiltrados” sem alinhamento com o conservadorismo. Na programação do curso em construção constam aulas sobre “noções mínimas de ética e filosofia na antiguidade e modernidade”, “valores e história do conservadorismo”, “como se comunicar com o seu público na internet” e “eleições, comportamento eleitoral e opinião pública”.

O texto de apresentação do instituto afirma existir uma “guerra de visões de mundo”, que opõem ideias de um “suposto progresso” aos valores da família, liberdade e segurança nacional. “Os inimigos desses valores se tornaram mestres em manipular a verdade e tirar proveito das emoções e mais nobres sentimentos”, diz Eduardo no vídeo de lançamento. “Sem a compreensão da verdade, nos tornamos alvos fáceis da mentira e da manipulação. Por isso, precisamos entender as ideias basilares que compõem a nossa sociedade”, completa Sérgio Sant’Ana, assessor do Ministério da Educação na gestão do ex-ministro Abraham Weintraub.

A ideia de criar uma base de pensamento dessa nova direita é muito difundida por Olavo de Carvalho, ideólogo do bolsonarismo, para quem eleger Bolsonaro à Presidência sem antes conquistar os espaços intelectuais do país foi algo “precipitado”. Sua tese é a de que existe uma pretensa hegemonia de esquerda no mundo intelectual brasileiro, principalmente nas universidades. Sócio do instituto, Sant’Ana anunciou Ilona Becskeházy, no fim do ano passado, como o nome que vai comandar a área de educação. Ex-secretária de Educação Básica do MEC, ela defende a campanha Escola Sem Partido e se diz contra o que chama de “ideologia de gênero” nas escolas.

Para o professor Christian Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os esforços em qualificar o que ele chama de “direita reacionária” podem fracassar caso se tornem associados demais ao projeto de poder da família Bolsonaro:

—A guerra cultural é tema caro ao Olavo de Carvalho. Eles precisam criar “think tanks” para garantir que esses grupos de jovens, que surgiram anos atrás em apoio ao Bolsonaro, permaneçam para além do governo Bolsonaro. Mas não sei se essa formação da base reacionária será bem-feita. O intuito do Eduardo parece ser criar uma doutrina que sustente o bolsonarismo —avalia. O Aliança pelo Brasil enfrenta problemas na obtenção de seu registro. Para integrantes da cúpula, uma eventual ida de Jair Bolsonaro para outro partido para disputar a reeleição não inviabiliza o projeto. Em caráter reservado, um dirigente afirmou que, mesmo que o presidente desista do Aliança, o conteúdo do curso pode “ser aproveitado para o partido que virá”.