Valor econômico, v. 21, n. 5182, 04/02/2021. Brasil, p. A4

 

Brasil apresenta plano para abrir compras públicas a estrangeiros

Assis Moreira

04/02/2021

 

 

País formaliza abertura do mercado de aquisições governamentais com adesão a acordo da OMC

O Brasil formalizou ontem na Organização Mundial do Comércio (OMC) sua oferta inicial para empresas estrangeiras passarem a vender ao setor público no país. A iniciativa deve abrir caminho para o início das negociações sobre a adesão brasileira ao Acordo de Compras Públicas (ACP).

O Valor apurou que o documento de 17 páginas, que o governo mantém em sigilo, estabelece patamar entre US$ 186 mil e US$ 572 mil a partir do qual o vendedor externo poderá participar de licitações em compras de bens e serviços, e de US$ 7,150 milhões no caso de serviços de construção.

Para o governo, não se trata de abertura unilateral, porque ao mesmo tempo empresas brasileiras poderão ter acesso a mercados de compras públicas bilionários de países que já participam do acordo da OMC. Além disso, o ACP não se aplica automaticamente a todas as aquisições feitas pelos governos dos membros desse acordo.

As ofertas no ACP utilizam o Direito Especial de Saque (DES), a moeda virtual do Fundo Monetário Internacional (FMI). Um DES valia ontem US$ 1,43. O Brasil adotou valores similares aos adotados pela maioria dos países que participam do ACP.

Pelo anexo 1, cobrindo as compras dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, o Brasil estabeleceu patamar de 130 mil DES, ou seja, US$ 186 mil, para o vendedor estrangeiro. No caso da construção, o contrato deve ser de pelo menos 5 milhões de DES (US$ 7,150 milhões).

O Brasil exclui da oferta as compras feitas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), AEB (Agência Espacial Brasileira) e Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear). A abertura exclui também as compras de serviços relacionados a tecnologia da informação, como criptografia, feitas pela Presidência da República, Itamaraty e Ministério da Justiça.

O vendedor externo tampouco terá acesso a certas compras do Ministério da Defesa, como serviços de engenharia, manutenção ou instalação de certos bens, e serviços de tecnologia da informação.

O anexo 2 da oferta foca em Estados e municípios, abertos pela primeira vez a empresas estrangeiras. Até o momento, o Brasil oferece o acesso apenas para determinadas aquisições feitas por Distrito Federal, Amazonas, Minas Gerais, Pará, Paraná e Rio Grande do Sul. Como o Ministério da Economia fez consulta pública, parece claro que esses aceitaram abrir seus mercados, enquanto outros podem entrar depois, ao longo das negociações na OMC.

Nesse caso, o patamar para o estrangeiro poder tentar vender é a partir de 200 mil DES (US$ 286 mil) em bens e serviços e de 5 milhões de DES (US$ 7,150 milhões).

Cada um deles tem exceções. O Paraná, por exemplo, não abre para o vendedor estrangeiro as licitações públicas para serviços de segurança. O Rio Grande do Sul exclui estrangeiro de licitação para compra de alimentos para as prisões.

O anexo 3 da oferta abre as compras feitas por “outras entidades’’ públicas, incluindo estatais. O patamar aumenta: o estrangeiro só pode participar da licitação de compras de bens e serviços a partir de 400 mil DES (US$ 572 mil) ou 5 milhões de DES (US$ 7,150 milhões) no caso de construção. São listadas 42 entidades, desde o porto de Paranaguá, passando por Central de Abastecimento de Minas Gerais, e até Valec Engenharia, Construções e Ferrovias. A oferta lista ainda em três páginas uma série de produtos que vão ser abertos para o vendedor estrangeiro.

O governo brasileiro exclui comprar serviços financeiros do estrangeiro. Aquisições de produtos de saúde estratégicos e insumos para o Sistema Único de Saúde (SUS) também são excluídas. O Brasil reserva o direito de aplicar preferências em favor de suas pequenas e médias empresas (PMEs).

O ACP é um tratado plurilateral no âmbito da OMC. Seus 48 membros juntos constituem um mercado de contratações públicas estimado em US$ 1,7 trilhão anual. O pedido de adesão do Brasil foi feito em maio de 2020.

O mercado de compras públicas brasileiro total já foi estimado em US$ 157,4 bilhões por ano. O governo central faz 45% das aquisições, os Estados, 25%, e os municípios, 30%.

Em nota, o Itamaraty destacou que a adesão ao acordo “promoverá a redução de gastos públicos e a melhoria da qualidade dos bens e serviços governamentais e incentivará as exportações brasileiras e os investimentos externos no país”.

Agora os 48 membros do acordo vão estudar o acesso ao mercado oferecido pelo Brasil. A expectativa é que as primeiras demandas de negociações bilaterais ocorram no começo de março. A abertura brasileira tende a ser mais ambiciosa, dependendo do que os parceiros oferecem em contrapartida.