O Estado de São Paulo, n.46373, 04/10/2020. Internacional, p.A8

 

Chefe do gabinete de Trump contradiz médicos e fala em quadro preocupante

Beatriz Bulla

04/10/2020

 

 

Mark Meadows afirmou ontem que 48 horas seriam determinantes para o tratamento, em meio a informações médicas reiteradas de que líder americano estava melhor e já não tinha febre; presidente grava vídeo em que diz estar bem e querer voltar logo à disputa eleitoral

Médicos da Casa Branca garantiram duas vezes ontem que o presidente dos EUA, Donald Trump, internado desde a noite de sexta-feira no hospital militar Walter Reed, passa bem após testar positivo para a covid-19. Ainda assim, o fato de o chefe de gabinete do republicano ter traçado um quadro mais grave colocou em dúvida o real estado de saúde do presidente.

A última informação veio às 22h30, com um boletim assinado pelo médico Sean Conley. A nota afirmava que Trump tinha "progresso substancial" e havia completado a segunda dose do medicamento remdesivir – cuja eficácia não é consenso entre cientistas.

Segundo este boletim noturno, o nível de oxigenação do presidente tinha ficado entre 96% e 98% durante o dia, índice normal. Ainda de acordo com o texto, Trump usou parte do dia para trabalhar, sem maiores empecilhos. Não havia registro de febre à noite. A equipe se considerava "cautelosamente otimista" sobre o quadro clínico.

Horas antes, Trump havia postado um vídeo em sua conta no Twitter. Com aparência abatida, agradecia pelo apoio recebido e dizia ter ido para o hospital porque não conseguiria "ficar trancado" na Casa Branca.

"Eu vim aqui, não estava me sentindo tão bem. Me sinto muito melhor agora. Estamos trabalhando duro para me colocar de volta. Eu tenho de voltar porque ainda tenho de fazer a América grande de novo", disse Trump. "Estou ansioso para voltar para a campanha da forma como estávamos fazendo."

Opresidente afirmou que nos próximos dias terá um "teste real". "Vamos ver o que acontece nos próximos dias." Ele agradeceu pelos desejos de recuperação feitos nos EUA e por líderes mundiais.

Segundo Trump, que nega há meses a gravidade da pandemia e rejeita a seguir as orientações das autoridades de saúde, sua infecção foi "algo que aconteceu", assim como com "milhões de pessoas pelo planeta". Ele ressaltou os avanços terapêuticos no combate à doença, incluindo os tratamentos experimentais que está fazendo, classificandoos como "milagres que vêm de Deus".

Preocupação. O vídeo de Trump foi divulgado ao fim de um dia marcado por declarações contraditórias. Segundo o chefe de gabinete, Mark Meadows, "os sinais vitais de Trump nas últimas 24 horas (sexta-feira) foram preocupantes e as próximas 48 horas (até segunda) serão determinantes para o tratamento. Nós ainda não estamos em um caminho claro para uma recuperação completa". A informação dada pelo chefe de gabinete havia surgido logo após uma entrevista coletiva médica, mas só no meio da tarde veículos americanos confirmaram que Meadows era a fonte.

A informação do chefe de gabinete indicaria um quadro mais sério do que o médico Sean Conley descreveu não só no boletim da noite, mas em uma entrevista coletiva à tarde. A pergunta que ficou no ar durante a entrevista foi se o presidente recebeu oxigênio suplementar em algum momento. "Ele não teve dificuldade de respirar, não está recebendo oxigênio nesse momento", afirmou Conley. Questionado por jornalistas sobre se Trump precisou de auxílio para respirar, o médico apenas disse que desde a noite de sexta não, e se negou a dar mais detalhes.

A pergunta foi feita diversas vezes porque fontes próximas a Trump afirmaram ao New York Times e à rede ABC News que o presidente estava com dificuldade de respirar ainda a na Casa Branca, na sexta-feira, e recebeu oxigênio suplementar. Foi justamente esse episódio que levou à necessidade de internação de Trump.

Segundo as fontes, o oxigênio suplementar foi essencial para que o presidente conseguisse sair andando em direção ao helicóptero antes de ser levado ao hospital. A imagem de Trump andando transmitida ao vivo pelas televisões, nesse caso, seria importante para mostrar que o presidente continuava apto a governar.

As informações confusas e incompletas que vieram da Casa Branca provocaram especulações sobre o real estado de saúde de Trump.

Conley recusou-se na entrevista a determinar uma data para a alta do presidente e disse que a internação "foi uma precaução". "Ainda não queremos falar em dia da alta, pois a fase dois dessa doença (covid) pode vir acompanhada de um quadro inflamatório, então temos de ter cuidado", afirmou.

Conley afirmou que Trump tivera febre, sem detalhar quanto, além de tosse e fadiga. O presidente, segundo a equipe médica, formada por dez profissionais, está com as funções cardíaca e renal sendo monitoradas constantemente.

Segundo o médico, o diagnóstico de covid-19 de Trump começou a ser fechado antes de o resultado do teste ser divulgado. Ele levantou a dúvida sobre a data do diagnóstico ao afirmar que o presidente estava havia 72 horas com a confirmação da infecção por coronavírus.

Se confirmado, o prazo faria com que Trump já soubesse na quarta-feira da doença. Portanto, o presidente teria feito eventos de campanha sabendo que estava infectado, em um comício em um aeroporto de Minnesota (mais informações na página A10). Logo depois da entrevista coletiva, o médico se retratou e disse que Trump só foi diagnosticado mesmo na quinta-feira à noite. O anúncio de que o presidente estava com covid foi feito perto da 1 hora da madrugada de sexta-feira.

Fonte de contágio. Questionado sobre evidências de quando e como o presidente se contaminou com o novo coronavírus, Conley preferiu não comentar.

O presidente, que raramente usa máscara, participou de uma recepção na Casa Branca no sábado, dia 26, para anunciar a indicação da juíza Amy Coney Barrett a a uma vaga na Suprema Corte. Esse é apontado como o evento disseminador do vírus, já que vários presentes desde então anunciaram ter contraído a doença. Um deles, o senador Mike Lee, republicano de Utah, foi gravado na ocasião abraçando diversas pessoas, sem máscara.