O Estado de São Paulo, n.46373, 04/10/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Jovens são os que mais sofrem com segunda recessão em cinco anos

Luciana Dyniewicz

04/10/2020

 

 

Geração crise. Na pandemia, desemprego entre população de 18 a 24 anos passou a ser mais do que o dobro da taxa nacional; mercado de trabalho precário no início de carreira pode comprometer salário desses profissionais por toda a trajetória, no chamado “efeito cicatriz'

Marcas da Covid 

Edna Carolina Esteves Telmo tem 23 anos, é formada em Letras e teve um único emprego na vida até hoje, que durou cinco meses. Ela começou a procurar um primeiro trabalho pouco antes da recessão de 2015 e 2016, quando ainda estava na faculdade, para ajudar as tias a pagar as contas da casa. Tentou vagas de recepcionista e atendente, mas ninguém a contratou no meio da crise.

Após três anos de procura, no fim de 2018, conseguiu uma vaga em uma empresa de telemarketing, mas cinco meses depois foi demitida. "Estava tendo corte de pessoal e quem tinha avaliação da média para baixo foi mandado embora. Minha nota estava na média", conta.

Desde o ano passado, ela voltou a buscar emprego, mas, com a pandemia do coronavírus, as perspectivas se tornaram piores. "Tenho tentado umas 20 vagas por mês, em qualquer área. Antes chamavam para entrevistas, parece que consideravam currículo sem experiência. Agora, não chamam nem respondem email", diz ela, que ajudou a pagar as contas da casa nos últimos meses com o auxílio emergencial. As tias, uma professora do ensino público e uma atendente em uma loja de cartuchos para impressora, sustentam a família.

Edna faz parte da geração que mais sofreu os efeitos das últimas crises: jovens cuja renda despencou entre 2015 e 2017, que não tinham conseguido se recuperar ainda desse impacto e que estão, novamente, entre os mais atingidos pela nova recessão.

Levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) aponta que pessoas de 15 a 19 anos foram as que tiveram o maior recuo na renda entre 2015 e 2019, com uma queda de 24%, seguidas por aquelas que tinham entre 20 e 24 anos, cujos rendimentos diminuíram 11%. Agora, entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, esses grupos perderam 34,2% e 26% da renda, respectivamente.

A queda acentuada do rendimento dos jovens é explicada pelo fato de eles serem os mais atingidos pelo desemprego. No segundo trimestre deste ano, enquanto a taxa de desemprego no País estava em 13,3%, entre a população de 18 a 24 anos ela era mais que o dobro e alcançou 29,7%.

O desemprego é historicamente mais alto entre os jovens. A questão é que essa distância entre a média do País e a registrada entre eles aumentou na recessão de 2015 e 2016, nunca mais voltou ao patamar anterior e, na pandemia, disparou.

Antes de 2015, a diferença da taxa de desemprego entre a população brasileira em geral e os jovens era de 8,3 pontos porcentuais. Em 2017, chegou a 14,2 pontos e, com a recuperação – ainda que lenta – da economia em 2018 e 2019, passou a diminuir. A crise do coronavírus, porém, fez essa diferença alcançar 16,4 pontos porcentuais entre abril e junho de 2020. O problema é ainda maior quando se considera o chamado efeito cicatriz, isto é, um efeito de longo prazo na carreira dos jovens que entram no mercado de trabalho em meio a uma recessão .

   

Concorrência. A alta taxa de desemprego entre os mais jovens é explicada pelo fato de que, em meio a uma crise, pessoas com alguma bagagem profissional acabam topando trabalhar por salários inferiores, passando a ocupar vagas que, inicialmente, seriam destinadas aqueles que acabam de concluir os estudos.

O economista Lucas Assis, da consultoria Tendências, lembra que, globalmente, os jovens já têm uma dificuldade maior para se inserir no mercado devido a um problema de "assimetria informacional", isto é, faltam informações para os empregadores sobre a produtividade de quem está no início da vida laboral.

"No Brasil, isso é mais grave por causa da baixa escolaridade. Jovens tendem a ter menos anos de estudo e concorrem com pessoas desempregadas de maior qualificação", acrescenta Assis.