O Estado de São Paulo, n.46373, 04/10/2020. Economia, p.B3

 

'Efeito cicatriz': crise ameaça carreira

Luciana Dyniewicz

04/10/2020

 

 

Marcas da Covid. Desemprego no início da trajetória pode ter impacto durante toda vida profissional

Além de a situação atual para os jovens já ser ruim, o futuro também não é nada promissor. Estimativas da consultoria Tendências apontam para um crescimento fraco do Produto Interno Bruto (PIB) na próxima década, com uma média de 2,4% ao ano até 2029. O mercado de trabalho deverá responder de modo gradual a isso, com a taxa de desemprego em dois dígitos pelo menos até 2029, quando deverá cair a 10,3% – hoje está em 13,8%.

"O desemprego vai ficar mais alto no ano que vem, prevemos 15,7%, com pessoas que hoje estão fora do mercado começando a procurar ocupação. Para o mercado dos jovens, não vislumbramos um cenário otimista", diz o economista Lucas Assis, da Tendências.

Se o cenário previsto por Assis se concretizar, os jovens brasileiros terão enfrentado, até o fim da próxima década, 15 anos de crise laboral, o que poderá marcar toda a trajetória profissional deles. Estudos apontam que as condições iniciais do mercado de trabalho podem interferir no salário e no emprego dos jovens durante toda sua vida, o que os especialistas chamam de "efeito cicatriz". Assim, quanto maior o desemprego no começo da carreira, menor o rendimento futuro.

"O jovem, quando sai da escola, precisa experimentar várias ocupações para saber qual combina melhor com suas habilidades. Se entra no mercado de trabalho numa recessão, ele não tem essa possibilidade de experimentar ou fica desmotivado, perdendo conhecimento", diz o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper.

Bruna Gabrielle Esteves, de 19 anos, faz parte do grupo de jovens que não têm conseguido se inserir no mercado e que podem sofrer impactos negativos durante toda a vida profissional. Bruna começou a estudar enfermagem no ano passado e tenta uma vaga desde os 17 anos.

"Procuro nas redes sociais. Também me cadastrei em quase todos os sites de emprego. Mas são poucas as vagas e, quando tem, a concorrência é muito grande e dão preferência para quem tem experiência. Fico na esperança de que, quando termine a faculdade, tenha emprego."

   

Violência. Menezes Filho afirma ainda que estudos feitos na Inglaterra mostram que recessões no início da carreira profissional também aumentam a probabilidade de os jovens entrarem para o crime, além de reduzirem a produtividade do país. "Ou ele pode começar no crime ou ir trabalhar como entregador de aplicativo, que é o que tem hoje. Ele não vai alcançar a produtividade que teria nem a satisfação pessoal. Vai se acomodar em um nível mais baixo, com salário inferior. O país todo perde."

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, lembra que a crise dos anos 1980 no Brasil foi um dos fatores que levou a taxa de criminalidade no País a patamares mais altos nos 15 anos seguintes. Segundo ele, o "efeito diploma" também pode perder sua eficácia.

"Logo que alguém consegue um título, o ganho de renda costuma ser maior. Se se perde essa janela de oportunidade por causa da pandemia, é possível que não haja uma recuperação depois", diz Neri.

Apesar do quadro desanimador, há um fator que pode ajudar o jovem. A quarentena imposta pelo coronavírus tem acelerado a transformação digital das empresas e os jovens têm mais facilidade para lidar com essa nova economia.

"Mesmo tendo sido os mais afetados, eles dispõe de instrumentos para tentar se inserir nas novas tendências", acrescenta o diretor do FGV Social.