O Estado de São Paulo, n.46374, 05/10/2020. Economia, p.B6
Políticos buscam reaproximar Guedes e Maia
Adriana Fernandes
05/10/2020
Articulação tem como objetivo 'costurar' uma saída para financiar o programa social Renda Cidadã, sem prejudicar questão fiscal
Autoridades e políticos começaram a costurar no final de semana em Brasília uma articulação para evitar o agravamento da crise provocada pelo impasse em torno do financiamento do Renda Cidadã, o programa social que vai substituir o Bolsa Família.
Depois da forte deterioração do mercado na sexta-feira com o temor dos riscos fiscais, o grupo entrou em campo para apaziguar a relação do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A avaliação política é de que não dá para esperar 55 dias até o final das eleições municipais, em 29 de novembro, para diminuir o atual ambiente de incerteza. O maior temor do mercado é com o racha no governo em torno da forma de financiamento do programa social.
O Estadão apurou que o movimento visa buscar um entendimento para aprovação de medidas para o financiamento do Renda Cidadã sem a deterioração das contas públicas. Em discussão, estaria o corte de penduricalhos do funcionalismo público, inclusive do Judiciário. Outra possibilidade é a suspensão dos auxílios creche e alimentação por um período. Esses dois benefícios custam aos cofres públicos R$ 5 bilhões por ano.
Durante o sábado e o domingo, foram intensas as conversas e reuniões para pavimentar uma saída política para o impasse, que tem levado à piora acelerada dos indicadores de mercado, como juros, câmbio e Bolsa, no rastro das incertezas com o futuro do teto de gastos – a regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação.
Agenda consensual. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e lideranças políticas do Senado apoiam uma agenda consensual. A avaliação no momento é que a aproximação é derivada da necessidade de planejamento de uma agenda de medidas até o fim do ano. De acordo com fontes que participam das negociações, o recado dessa aproximação é de que o mais importante "é a tese, não as pessoas".
O encontro entre Maia e Guedes deve acontecer hoje, na residência do ministro do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas. A articulação partiu também dos senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Kátia Abreu (PPTO) e outros políticos, além do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Mucio Monteiro. Mucio conversou com Guedes sobre o encontro e Dantas fez o convite aos dois. Maia está curado desde a última quarta-feira da Covid-19.
Na semana passada, a tensão entre Guedes e Maia subiu de tom. Guedes acusou Maia de ter feito um acordo com a esquerda para travar propostas de privatizações do governo. O presidente da Câmara rebateu dizendo que o ministro estava "desequilibrado".
Durante almoço no sábado, ministros do TCU e parlamentares avaliaram que é preciso reforçar o Renda Cidadã com cortes de despesas.
"A responsabilidade fiscal é um avanço civilizatório irrenunciável. Governo e Congresso certamente terão capacidade de encontrar a fórmula justa e adequada. Desenvolvimento e redução de desigualdades pressupõem ambiente estável e confiança nos fundamentos de nossa economia", escreveu ontem nas redes sociais Bruno Dantas.
Guedes e Marinho. A tensão aumentou também com a briga pública entre Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, na sexta-feira. Marinho defende uma flexibilização do teto de gastos para deixar fora o Renda Cidadã. O limite do teto de gastos é hoje o maior entrave para o programa, na avaliação do grupo de aliados de Marinho.
Guedes e sua equipe, porém, não aceitam essa flexibilização. Políticos tentam buscar uma saída para o impasse antes que a crise piore diante do racha no governo.
O presidente Jair Bolsonaro chamou Guedes para um churrasco no sábado, depois da briga com Marinho, mas não se posicionou ainda numa defesa mais forte publicamente. Marinho foi convidado para o evento, mas não compareceu. A briga deixou o presidente irritado. A expectativa é que ele faça uma censura pública ao ministro do Desenvolvimento Regional.
Ministros ouvidos pelo Estadão manifestaram preocupação com o desenrolar da crise e tentam acalmar os ânimos. Um ministro, na condição de anonimato, disse que Marinho passou do ponto ao criticar Guedes em evento no mercado financeiro. O ministro da Economia, segundo fontes, consultou Bolsonaro antes de responder a Marinho
Assim como Guedes, Maia é defensor do teto sem mudanças e escreveu artigo se posicionando sobre o tema. Líderes do Centrão que disputam a eleição para a sucessão de Maia não veem com bons olhos o encontro.
PRESTE ATENÇÃO
1. Incerteza. Para acalmar o mercado, meta é encontrar uma solução de financiamento para o Renda Cidadã o mais rápido possível.
2. Recado. A ideia é mostrar que os recursos do novo programa não podem levar o governo para o descontrole das contas públicas – rumo criticado por investidores nos últimos dias.
3. Paz. Para arrumar a casa, a análise é de que é vital remendar a relação de Guedes e Maia.