Correio braziliense, n. 21045, 06/01/2021. Política, p. 3

 

Bolsonaro: "Brasil está quebrado"

Ingrid Soares 

06/01/2021

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que "o Brasil está quebrado e que não consegue fazer nada". A declaração foi feita, ontem, a apoiadores na saída do Palácio da Alvorada. O chefe do Executivo também contou que gostaria de fazer mudanças na tabela de Imposto de Renda, conforme prometido em campanha, mas que está de mãos atadas.

"O Brasil está quebrado. Não consigo fazer nada. Queria mexer na tabela de Imposto de Renda. Esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos, essa mídia sem caráter que nós temos... É um trabalho incessante de tentar desgastar para retirar a gente daqui para voltar alguém para atender os interesses escusos da mídia", apontou.

Especialistas ouvidos pelo Correio discordam das afirmações do comandante do Planalto. Catharina Sacerdote, administradora com especialização em finanças, ressaltou que o país não está quebrado. "Há um deficit orçamentário, mas, se o governo conseguir fazer as reformas necessárias, não vai quebrar do dia para a noite. Acredito que essa fala do presidente parece quase como um desabafo de uma pessoa que está muito perdida nas opções que lhe são dadas em relação à economia", avaliou. "Há as eleições na Câmara e Senado que, dependendo do resultado, podem prejudicar ainda mais. Creio que a última cartada de Bolsonaro são as reformas, e as eleições no Congresso podem embarreirar esse plano, correndo risco fiscal de manter a dívida mais alta do que o PIB (Produto Interno Bruto)."

A especialista ponderou, ainda, que Bolsonaro deveria ter mais cautela nas declarações, levando em consideração o mercado financeiro e investidores internacionais. "O mercado financeiro ignorou um pouco a fala dele. O dia começou ruim quando saiu essa fala. O mercado deu uma queda, mas acabou fechando positivo, não em máxima histórica, mas não teve grande impacto", frisou. "O mercado já precificou essa inabilidade do Bolsonaro, mas, como chefe de Estado, deveria ser mais cauteloso."
O economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), afirmou que o país tem deficit fiscal, mas que o presidente tem opções. "Tem um momento de deficit por conta da pandemia, com restrição do teto de gastos, mas Bolsonaro poderia renovar o estado de calamidade pública. Isso daria um desafogo. Estamos na segunda onda (da pandemia), e a especialidade do presidente é culpar os outros", disse.

Para André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, o problema central do país não é dinheiro, mas planejamento. "O que Bolsonaro deu foi um argumento retórico para operar a ideia de cortar gastos. Vejo como uma estratégia política. Está querendo fazer o que Paulo Guedes tem dito. Vai tentar caminhar na pauta de corte de gastos, mas, se isso será possível, vai ser uma nova questão", acrescentou.

"O presidente está usando essa estratégia de que não dá para gastar mais, mas terá um custo político. No primeiro ano, ele assumiu uma postura exótica. No segundo ano, tivemos a pandemia e, agora, ele terá de se expor politicamente. A próxima pesquisa já deverá apontar perda de popularidade", declarou.
A consultora econômica Zeina Latif concordou que o Brasil passa por um quadro fiscal grave, mas vê opções para o presidente. "Temos uma situação fiscal preocupante. Temos dívida, que é mais comparável a países ricos, dívida com perfil de mais curto prazo do que o passado. Isso não quer dizer que não tem nada para fazer. Bolsonaro está se referindo à capacidade de fazer mais gastos, de políticas sociais. Não dá para concordar."

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Guedes tem discurso diferente 

06/01/2021

 

 

A declaração do presidente Jair Bolsonaro, de que "o Brasil está quebrado" vai de encontro às afirmações recentes do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que a atividade econômica do país apresenta trajetória de recuperação em "V", ou seja, com a retomada na mesma velocidade da queda causada pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus. Oficialmente, a equipe econômica espera que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 3,2% este ano, depois de um tombo previsto de 4,5% em 2020.

Tanto Guedes quanto o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendem a vacinação em massa da população como essencial para que a economia, de fato, se recupere em 2021.
No último ano, o governo precisou se endividar mais para bancar o aumento das despesas de combate à covid-19. A combinação da maior necessidade de financiamento com a aversão ao risco dos investidores, turbinada pela desconfiança em relação à continuidade do processo de ajuste fiscal no Brasil, levou o Tesouro a concentrar boa parte das emissões em títulos de prazo mais curto.

O Tesouro começa 2021 com uma fatura trilionária a ser paga aos investidores. A dívida que vence este ano já somava R$ 1,31 trilhão no fim de novembro de 2020, valor que deve crescer com a incorporação de mais juros. O desafio chega num ano decisivo para ditar os rumos das reformas consideradas essenciais para o equilíbrio fiscal do país — e, consequentemente, para a capacidade de pagar toda essa dívida no futuro.

O volume de vencimentos em 2021 equivale a 28,8% do estoque de toda a dívida pública interna e já representa quase o dobro da média de resgates nos últimos três anos. Mesmo assim, a equipe econômica sempre diz estar bastante "tranquila" em relação ao refinanciamento da dívida.
Pelo cenário traçado pelo Ministério da Economia, o Brasil deve acumular 13 anos de rombos sucessivos nas contas públicas. Com despesas maiores do que receitas desde 2014, o país deve manter essa tendência até 2026. A expectativa é de que as contas públicas só voltem ao azul em 2027.