Valor econômico, v. 21, n. 5182, 04/02/2021. Política, p. A14

 

Força-tarefa acaba e encerra Lava-Jato

André Guilherme Vieira

César Felício

04/02/2021

 

 

Estrutura que combateu corrupção foi substituída por modelo mais permeável a controle da PGR

Foi num clima melancólico que integrantes e ex-integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba viram a estrutura anticorrupção que perdurou por quase 7 anos ser oficialmente sepultada, ontem. O desmonte foi formalizado com uma nota divulgada às 8h30 pela assessoria de comunicação do MPF, intitulada “Lava-Jato passa a integrar o Grupo de Ação Especial de Combate ao Crime Organizado no Paraná [Gaeco]”. Ao contrário de outras ocasiões, dessa vez não houve entrevista coletiva para comunicar um anúncio.

O título da nota, que em seu corpo relaciona os feitos da força-tarefa desde sua implantação, em 17 de março de 2014, esconde o que realmente importa: a equipe que descobriu a corrupção na Petrobras não existe mais.

Os procuradores combinaram que ninguém falaria com a imprensa, conforme apurou a reportagem. Pedidos de entrevista feitos à assessoria de imprensa do MPF foram negados. Sergio Moro, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e ex-juiz federal que tutelou a Lava-Jato de Curitiba por quase 5 anos e agora trabalha na iniciativa privada, também não quis comentar o caso da força-tarefa.

O desfecho pôs ponto final a uma conturbada fase de embates com a Procuradoria-Geral da República (PGR), inaugurada a partir da indicação de Aras pelo presidente Jair Bolsonaro para chefiar o MPF - por fora da lista tríplice. O desmanche já estava previsto. Mas apesar do ambiente de fim de festa, houve também sentimento de alívio entre os investigadores.

Parte dos procuradores atribui à imprensa parcela de responsabilidade pelo fim da unanimidade que a operação detinha com a opinião pública.Supostos excessos cometidos pelos procuradores e pelo ex-juiz Sergio Moro, que teriam chegado a combinar procedimentos jurídicos como oferecimento de denúncia, minaram o prestígio da autointitulada “República de Curitiba”. Conversas entre eles foram expostas pelo site “The Intercept”, que as revelou em série de reportagens. Os celulares de Moro e do ex-coordenador da operação, Deltan Dallagnol, foram hackeados e o conteúdo das conversas veio à tona.

A Lava-Jato protagonizou momentos históricos do combate à corrupção no Brasil. A investigação só se tornou viável depois que a lei que define organização criminosa e delimita os métodos de investigação criminal - incluindo a colaboração premiada - passou a vigir, em 2 de agosto de 2013. Foi com amparo legal que uma equipe então pequena e com poucos recursos à disposição, que havia atuado no caso Banestado, passou a investigar esquema de doleiros que envolvia um posto de combustíveis de Brasília. Dali se fez a ligação com Alberto Youssef, doleiro que operava propinas na Petrobras a mando de Paulo Roberto Costa, que foi diretor de abastecimento da Petrobras entre 2004 e 2012.

Com Youssef e Costa convertidos em delatores, a força-tarefa - então com policiais federais e procuradores - puxou o fio da meada de esquemas de pagamento de propinas e caixa dois eleitoral em contratos da Petrobras. Um cartel de empresas pagava por meio de operadores subornos a funcionários da estatal e dirigentes políticos.

A descoberta de que o financiamento ilegal cabia a empresários levou a Lava-Jato a um de seus pontos altos de popularidade e aprovação em 14 de novembro de 2014, quando a fase “Juízo Final” colocou na cadeia o à época diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, e executivos de oito empresas: Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, IESA, Mendes Júnior, OAS, Queiroz Galvão e UTC. Em junho de 2015, Marcelo Odebrecht foi preso por corrupção, na fase “Erga Omnes”.

As delações de empresários levaram a denúncias contra diversos políticos detentores de foro privilegiado, entre eles Eduardo Cunha, então presidente da Câmara. A investigação da elite política passou para a PGR, sob supervisão no Supremo de Teori Zavascki, até seu falecimento, em 2017. O clima de apreensão entre parlamentares em Brasília acelerou o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. A polêmica divulgação de um telefonema grampeado por ordem judicial entre Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, catalisou o processo.

Mas foi com a denúncia contra Lula, anunciada em coletiva em setembro de 2016, episódio conhecido como “o power point de Deltan”, que as opiniões sobre a Lava-Jato se dividiram. O ex-presidente foi condenado por corrupção e lavagem pela suposta ocultação de apartamento no Guarujá, que foi reformado pela OAS e teria sido reservado ao petista como contrapartida por contratos com a Petrobras. Ficou preso por quase dois anos e tornou-se inelegível para a eleição presidencial de 2018.

Desde então, a defesa de Lula tenta provar a suspeição de Moro no julgamento do ex-presidente, tendo como suposta evidência os vazamentos publcados pela Intercept. O assunto ainda será decidido pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal.