Correio braziliense, n. 21046, 07/01/2021. Economia, p. 6

 

Bolsonaro, agora, vê "país maravilhoso"

Ingrid Soares 

Sarah Teófilo 

07/01/2021

 

 

O presidente Jair Bolsonaro realizou, ontem, a primeira reunião ministerial do ano. Na mesa, uma das principais pautas foi a cobrança por um cronograma de vacinação para a população. A reunião ocorreu após o presidente dizer que não podia fazer nada para atender as promessas de campanha, porque o país está quebrado. A declaração causou ruídos no mercado. Após a repercussão, o chefe do Executivo ironizou a própria fala. "Confusão ontem (terça), viu? Porque eu falei que o Brasil estava quebrado. Não, o Brasil está bem, está uma maravilha", disse a apoiadores no Palácio da Alvorada.

O mandatário ainda remeteu à imprensa a culpa por sua fala. "Essa imprensa sem vergonha faz uma onda terrível aí. Para a imprensa bom estava Lula, Dilma gastando R$ 3 bilhões por ano para eles", afirmou. No último dia 5, também a apoiadores, Bolsonaro ressaltou: "Chefe, o Brasil tá quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela o Imposto de Renda. Teve esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos aí, essa mídia sem caráter".

Panos quentes

Um dia depois da polêmica, o ministro da Economia, Paulo Guedes, interrompeu as férias para comparecer à reunião ministerial convocada de última hora. O período de férias de Guedes vai até o próximo dia 11. O chamado "Posto Ipiranga", no entanto, não viu a fala do chefe do Executivo como uma crítica. Ele vem tentando colocar panos quentes na situação e reforçou que o país está crescendo em "V".

Ainda na terça-feira, Bolsonaro teve outra fala que repercutiu mal. Ele disse que a maior parte dos brasileiros não está preparada para fazer quase nada, ao falar sobre os índices de desemprego. "(O Brasil) é um país difícil de trabalhar. Quando fala em desemprego, né, (são) vários motivos. Um é a formação do brasileiro. Uma parte considerável não está preparada para fazer quase nada. Nós importamos muito serviço", apontou.

Ontem, ele culpou, mais uma vez, a imprensa pela fala. "Eu disse que parte dos brasileiros não está preparada para o mercado de trabalho. Pronto, a imprensa fala que eu ofendi todos os empregados do Brasil. Agora, nós importamos serviços, porque não tem gente habilitada aqui dentro, porque há 30 anos (estão) destruindo a educação do Brasil", ressaltou.

Além de Guedes, participaram da reunião os ministros Braga Netto (Casa Civil), Fernando Azevedo (Defesa), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tarcísio Freitas (Infraestrutura), Tereza Cristina (Agricultura), Milton Ribeiro (Educação); Onyx Lorenzoni (Cidadania), Eduardo Pazuello (Saúde), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Fábio Faria (Comunicações), Gilson Machado (Turismo), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência). O ministro interino da Secretaria-Geral da Presidência, Pedro César Sousa, e o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, também estiveram no encontro.

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Para analistas, falta compromisso com ajuste 

Marina Barbosa 

07/01/2021

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, interrompeu as férias, ontem, em meio ao mal-estar causado pela declaração do presidente Jair Bolsonaro de que o país está quebrado e que, por isso, não pode cumprir as promessas de campanha. Guedes, porém, segue confiante na recuperação da economia brasileira. A percepção difere do sentimento de muitos analistas, que se dizem céticos quanto à disposição do presidente de encarar as medidas econômicas que podem colocar o país nos trilhos novamente.

Na avaliação do chefe da equipe econômica, o setor público, de fato, passa por sérias dificuldades financeiras, já que acumulou deficit superior a R$ 700 bilhões só em 2020 por conta dos gastos emergenciais realizados na pandemia de covid-19 e ainda vai passar alguns anos pagando essa conta. Porém, o Brasil não está quebrado, já que o setor privado está firme, e quer investir.

Para aliados de Guedes, o recado é que a recuperação da economia não pode depender do Estado, mas será puxada pela iniciativa privada. Também é uma forma de dizer que o governo não pode mais bancar programas como o auxílio emergencial e o benefício emergencial de manutenção do emprego e da renda. "Não dá para contar com o Estado na retomada, é preciso criar as condições para a iniciativa privada investir", avaliou uma fonte do Ministério da Economia, que garantiu que a equipe econômica está preparando medidas que podem ajudar nesse sentido assim que o Congresso retomar os trabalhos.

Logo depois da reunião ministerial, o presidente Bolsonaro também tentou minimizar a questão, voltou atrás na própria declaração e disse a aliados que, na verdade, o país está "bem, uma maravilha". O vaivém das declarações do chefe do Executivo, no entanto, aumentou as incertezas do mercado sobre o apoio do Planalto às medidas de ajuste fiscal para conter o crescimento da dívida pública e às reformas econômicas que podem trazer mais investimentos privados para o país.

"O presidente tira o foco dos problemas com esse tipo de declaração, mas o fato é que nós temos um grande desafio para encarar na saúde e nas contas públicas. Ele fala que não pode fazer nada e depois diz que está tudo bem. Isso revela o baixo compromisso em lidar com essas questões. A sinalização não é de reformas", lamentou a economista Zeina Latif. "Não adianta o presidente se desmentir dizendo que está tudo ótimo, porque a questão econômica vai demandar um esforço grande neste ano. É preciso voltar a discutir as reformas fiscais", acrescentou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

Os economistas não veem, no entanto, espaço para avanços muito significativos na pauta fiscal nos próximos meses. Eles explicam que, apesar de ser defendida de forma enfática por Guedes, essa agenda deve ser encampada por todo o governo, sobretudo pelo presidente, para avançar. Afinal, requer medidas impopulares, como cortes de gastos e/ou aumento de impostos, que agora devem sofrer mais resistência já que o país ainda enfrenta a pandemia de covid-19 e a classe política, incluindo Bolsonaro, está de olho nas eleições de 2022.