O globo, n. 31928, 05/01/2021. País, p. 4

 

Pragmatismo

Bruno Góes

Natália Portinari

05/01/2021

 

 

Considerados o fiel da balança na eleição para a presidência da Câmara, os partidos de oposição, com exceção do PSOL, anunciaram ontem o apoio à candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Em carta, PT, PCdoB, PSB, PDT e Rede afirmaram que o objetivo é derrotar o presidente Jair Bolsonaro, que apoia a candidatura de Arthur Lira (PPAL), “e sua pretensão de controlar o Congresso”.

A adesão ao bloco de Baleia Rossi, costurada desde o ano passado, amplia a vantagem, no papel do grupo do emedebista. O bloco soma agora 11 partidos, com 273 deputados, de acordo com a configuração partidária atual da Câmara. O bloco de Lira tem 195 parlamentares, mas, como o voto é secreto, há espaço para “traições” no dia da eleição. Para se eleger presidente da Câmara é necessário obter maioria absoluta, ou seja, 257 votos.

No documento divulgado após o acordo, as siglas de esquerda enumeram cinco compromissos assumidos por Rossi, como a “proteção à democracia” e a “independência do Legislativo”, com a garantia de instrumentos de ação e fiscalização da oposição, além do respeito à soberania do país e a proteção de minorias.

Os parlamentares de esquerda criticaram, na carta, a atuação de Bolsonaro no enfrentamento do novo coronavírus, qualificando o governo como “insensível ao sofrimento do povo, irresponsável diante da pandemia e chefiado por um presidente da República que ao longo de sua trajetória sempre se colocou contra a democracia”.

NO PT, 27 A 23

Em uma rede social, Rossi destacou, no manifesto, como “ponto fundamental”, o acesso universal à vacina. “A imunização gratuita tem que ser pra todos, principalmente pra quem depende da saúde pública. Só assim vamos vencer o corona. A Câmara tem que trabalhar para viabilizar isso o quanto antes”, escreve ele.

Lira tem ironizado a postura de independência assumida por Rossi, afirmando que ele e outros deputados do MDB possuem cargos no governo. O líder do PP também ressalta que o partido de seu adversário ocupa as lideranças do governo no Senado e no Congresso.

Detentor da maior bancada da Câmara, o PT foi o primeiro partido de esquerda ontem a decidir pelo alinhamento ao bloco do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em reunião que durou mais de duas horas, os deputados bateram o martelo por 27 votos a 23. Eles descartaram assim a possibilidade de lançar candidatura própria nas eleições que acontecerão em fevereiro. Esse caminho foi cogitado por parte da bancada no início das negociações.

A aliança foi saudada por Rossi. “A #FrenteAmpla ficou ainda maior. O PT anunciou apoio à nossa candidatura. É um grande dia para quem defende uma Câmara livre e independente. Somos 11 partidos diferentes. Divergimos em muitos assuntos. Mas estamos juntos na defesa de uma democracia viva e forte!”, escreveu ele, em uma rede social.

PROGRAMA

Inicialmente o PT resistiu a apoiar a candidatura do emedebista porque ele apoiou o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Logo após o anúncio da bancada petista, PSB, PCdoB, PDT e Rede formalizaram, em ato com a participação do PT, o apoio a Rossi. Após uma reunião por videoconferência, as siglas tornaram pública a união para a disputa. Partido de esquerda com dez deputados, o PSOL ainda discute internamente se adere ao nome de Baleia Rossi ou se lançará candidatura própria.

Na reunião, os petistas defenderam o lançamento de um programa com propostas para a Câmara nos próximos dois anos, como combater políticas de Bolsonaro e apreciar pedidos de impeachment que estejam fundamentados em indícios de crimes de responsabilidade.

A ideia é mostrar que o apoio a Rossi não significa abrir mão de bandeiras de esquerda. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), estava entre os 27 deputados que votaram a favor de apoiar o emedebista já no primeiro turno.

Com a decisão, o bloco de Rossi e de Maia pretende consolidar a participação de 11 partidos. O atual número de 273 deputados pode variar até a eleição devido a licenças e renúncias de parlamentares para assumir outros cargos e mandatos, por exemplo. Além dos partidos de esquerda, integram o grupo DEM, MDB, PSDB, PSL, Cidadania e PV.

Já Arthur Lira conseguiu formar um bloco com PP, PL, PSD, Republicanos, Avante, Patriota, Solidariedade, Pros e PSC. Essas legendas reuniam ontem 195 integrantes. Ele ainda negocia com PTB e Podemos.

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Voto vencido no PT, Haddad atuou por condições do acordo com Baleia Rossi

Thiago Prado

05/01/2021

 

 

Têm o dedo do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad os últimos movimentos do PT para impor condições ao apoio ao deputado Baleia Rossi. A presidente do partido, Gleisi Hoffman, ouviu as sugestões do petista antes da reunião de ontem que decidiu pela aliança com o emedebista a partir de compromissos estabelecidos em documento.

Haddad discordou do apoio a Rossi inicialmente. Posição semelhante teve aex-presidente Dilma Rousseff, que não engole até hoje ovo todo parlamentara favor do seu impeachment em 2016. Ambos consideram o emedebista um político que não cumpre acordos —por isso a exigência de uma carta em que o deputado garante a instalação de CPIs e a convocação de autoridades para depor na Câmara.

O ex-prefeito, contudo, não era da tese da candidatura própria do partido, como defendiam alguns setores da esquerda. Preferia um nome como o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que também votou pela queda de Dilma, mas acabou perdoado por diversos petistas. Não é a primeira vez que as posições de Haddad são rejeitadas no PT. Em maio do ano passado, por exemplo, no auge dos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro atacando as instituições, o ex-prefeito assinou um manifesto pela democracia ao lado de figuras execradas pelo petismo raiz, como FHC, Ciro Gomes e Luciano Huck. Lula, na ocasião, se recusou a aderir, dizendo que “não tinha idade para ser Maria vai com as outras”.

A menos de dois anos da próxima eleição presidencial, Haddad tem dado opiniões que mais uma vez divergem do senso comum da esquerda. No fim de dezembro, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo ”, afirmou que a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições municipais era uma “impressão” e que o eleitor brasileiro cada vez mais se move para a direita, tendo em vista o crescimento de vários partidos médios de direita.

No caso da eleição da Câmara, o ex-prefeito também está contra a corrente no PT. A quem lhe pergunta, afirma que o partido não será o fiel da balança da eleição, mas sim as traições internas nas siglas de centro e centro-direita da base de Rossi. Haddad acha possível o emedebista perder uma eleição ainda que as contas mostrem hoje o seu bloco maior que o de Arthur Lira. O voto secreto e o poder de atração dos cargos nas mãos de Bolsonaro poderão fazer a diferença, acredita o petista.