Título: O embate na política
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 27/02/2005, Opinião, p. A10

O nebuloso cenário projetado por especialistas e políticos que lidam com questões ambientais para o futuro breve da Amazônia sugere que os conflitos exacerbados nas últimas semanas não cessarão. Conforme esclarecedora reportagem de Israel Tabak que o JB publica hoje, há um consenso entre múltiplas vozes de que o brutal, estarrecedor e covarde assassinato da missionária americana Dorothy Stang, conjugado com a ascensão política do chamado baixo clero na Câmara dos Deputados e a aproximação do período eleitoral, fornecerá ingredientes suficientemente preocupantes para a ruidosa disputa entre ruralistas e ambientalistas dentro do governo federal. A premissa é de que, embora o Palácio do Planalto tenha reagido com destreza ao assassinato da missionária (não só com o envio de representantes das Forças Armadas à região e com a pressão sobre as investigações, como também pelo atendimento às reivindicações da área de influência comandada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva), a vitória do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) deverá fortalecer uma bancada que, segundo definição do professor Carlos Eduardo Young, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é ''francamente hostil aos temas ambientais''. Da ascensão do baixo clero emerge, afinal, o risco de a Câmara dos Deputados alimentar a convicção de políticos que se nutrem das desigualdades e, o mais grave, da ilegalidade para obtenção de benefícios próprios - ainda que à custa da exploração irracional de um patrimônio nacional.

A eternização dos conflitos fundiários que se arrastam na Região Amazônica, sob o olhar inerte do governo federal, das administrações estaduais e da Justiça, é um risco contra o qual devem ser dedicados todos os esforços possíveis - de todas as esferas de poder. Por essa razão, convém à opinião pública exercer pressão permanentemente implacável para evitar que desvios de rota sejam aprofundados. Já se tornaram demasiadamente cansativos, afinal, os exemplos de vontade política que surge com notável vigor sob o calor da desgraça e depois acaba esquecida pelas autoridades, pela imprensa e pela sociedade, estimulando a ilegalidade.

A pressão é necessária, em primeiro lugar, para que se possa separar devidamente o joio do trigo: há, na região, madeireiros legais, que exploram a floresta racionalmente e evitam a ação destruidora. Não podem, portanto, ser incluídos no rol de criminosos que estorvam o equilíbrio ambiental da Amazônia. Por outro lado, só se conseguirá ultrapassar a arrebentação retórica se os projetos pretendidos (aqueles já anunciados pelo Palácio do Planalto, em resposta ao assassinato de Dorothy ou ainda a serem aprovados no futuro pelo Congresso) forem resultado de um consenso entre ambientalistas, ruralistas, governos e sociedade em geral. Para combater a exploração ilegal da terra (e a violência selvagem que a alimenta), reafirme-se ainda: é imprescindível a união de esforços municipais, estaduais e federais.

Os embates, porém, devem restringir-se à arena que lhes cabe: a política. Uma lição elementar que a anarquia fundiária e ecológica reinante da Amazônia insiste em esquecer.