Título: Efeitos de um discurso ''atravessado''
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 26/02/2005, País, p. A3

BRASÍLIA - O governo começou o dia acuado após as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que teria ocultado denúncias de corrupção durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Lula chegou a afirmar que seu discurso tinha sido ''atravessado''. Mas o governo resolveu partir para a briga com o PSDB. No fim do dia, a Secretaria de Informação e Divulgação do Planalto disse que a expressão ''discurso atravessado'' referia-se apenas à reforma universitária.

A senha para a briga foi dada ainda de manhã, pelo chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu. Ele acusou o PSDB de querer criar um clima de instabilidade política.

- Há mais uma vontade de criar instabilidade política do que realmente esclarecer o que o presidente falou ou investigar o que aconteceu no governo anterior - acusou José Dirceu.

O ministro também disse que, na qualidade de um partido de oposição, o PSDB tem todo o direito de pedir o impeachment do presidente. Lembrou que, ao assumir o Planalto, os petistas não transformaram o balanço do governo anterior em uma prioridade, ''como está acontecendo em São Paulo, por exemplo''. E apontou as incertezas de uma investigação no Congresso:

- O feitiço pode virar contra o feiticeiro. Investigações feitas pelo Congresso nós sabemos como começam, mas não sabemos como terminam.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, também saiu em defesa de Lula. Ele afirmou que os críticos do presidente estão fazendo uma leitura equivocada das declarações dadas na quinta-feira. Em sua visão, Lula optou por não partidarizar a questão.

- O que ele disse foi cristalino. Disse que não queria partidarizar a questão, em nome da governabilidade - justificou.

O ministro da Justiça não acredita na possibilidade de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as acusações feitas pelo presidente. Para ele, uma CPI só faria sentido se fosse criada para investigar as privatizações ocorridas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Bastos acrescentou também que esta não é a primeira vez que Lula se refere ao assunto. Recuou no tempo para afirmar que, em 1998, o então candidato do PT à presidência levantou suspeitas sobre o processo de privatização realizado pelo governo FH, sendo inclusive processado pelo tucano.

O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), não vê razões para Lula se retratar. Mercadante garante que o presidente não se referiu a denúncias de corrupção durante as privatizações, mas ao risco que o BNDES corria em relação a uma dívida de US$ 1,3 bilhão deixada pela AES, empresa americana que comprou a Eletropaulo.

- A prudência do presidente Lula foi em relação ao BNDES, e não aos indícios de corrupção. Mesmo porque os episódios da privatização, envolvendo os ex-dirigentes do BNDES e das estatais, já estão sendo investigados na Justiça - explicou o senador Mercadante.