O globo, n. 31931, 08/01/2021. Sociedade, p. 7

 

Vacina federal 

Ana Letícia Leão

Daniel Gullino

Dimitrius Dantas

Gustavo Maia

08/01/2021

 

 

Butantan anuncia eficácia de 78% e ministério compra 46 milhões de doses de CoronaVac
No dia em que o Brasil ultrapassou os 200 mil mortos pela Covid-19, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou a compra de 46 milhões de doses da vacina contra o coronavírus, produzida pelo Instituto Butantan e pelo laboratório chinês Sinovac. O imunizante divulgou ontem seu índice de eficácia, de 78%, e o pedido de autorização para uso emergencial deve ser protocolado hoje na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Fio cruz, que desenvolve outra vacina em parceria com a Universidade de Oxford e as traze neca, deve apresentar hoje o mesmo pedido.

A compra das doses da CoronaVac encerra, em parte, uma disputa política travada nos últimos meses entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O Bolsonaro chegou a proibir o negócio, depois vinculou a aquisição à aprovação prévia da Anvisa, mas acabou assinando uma medida provisória permitindo a compra antes do registro.

- Assinamos com o Butantan hoje. Menos de 24 horas após a medida provisória, assinamos contrato para entrega das primeiras 46 milhões de doses até abril e outras 54 milhões no ano, passando para 100 milhões de doses - anunciou Pazuello, em entrevista coletiva.- Toda a produção do Butantan, todas as vacinas que estão no Butantan serão, a partir deste momento, incorporadas ao plano nacional de imunização. Eles serão distribuídos igual e proporcionalmente a todos os estados da mesma maneira.

O Ministério da Saúde destaca que a aMP responsável por viabilizar a compra também determina que a execução da vacinação contra aC OV id -19 no país seja feita dentro do plano nacional de imunização, que, na prática, encerra o planejamento de datas e fases divulgado pela Doria para o São Paulo. No cenário mais "otimista", a vacinação no país começaria no próximo dia 20; no mais pessimista, no início de março.

—A medida prevê que todas as vacinas devem cumprir o Plano Nacional para a operação de vacinação contra Covid-19. O SUS é para todos - afirmou o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco. - O ministro foi claro quando falou que a imunização começará simultaneamente em todas as unidades da Federação. Não haverá ninguém privilegiado.

QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS?

O governador de São Paulo disse que é necessário entender quais critérios de proporcionalidade serão adotados pelo governo federal. Doria cobrou que seu estado fosse priorizado na estratégia.

—Precisamos saber melhor o que chamam de proporcionalidade. São Paulo tem quase 46 milhões de habitantes, é o estado com maior densidade populacional do país. E também com o maior número de infectados e, infelizmente, óbitos. Obviamente, a prioridade de um programa de vacinação é onde você tem a maior incidência de coronavírus ou a maior proporcionalidade de pessoas infectadas e mortas. E para isso não há visão política, ideológica ou partidária. Essa informação ainda precisamos receber do Ministério da Saúde - defendeu Doria, em entrevista à Globonews.

O Instituto Butantan realizou ontem duas reuniões com a Anvisa em que apresentou documentos e levantou dúvidas sobre o processo de pedido de autorização de uso emergencial, que deve ser formalizado hoje.

O índice de eficácia do imunizador foi divulgado em entrevista coletiva. O percentual alcançado supera a meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para que uma vacina seja considerada segura, de 50%.

Desde 20 de julho, 16 centros clínicos participaram dos testes, em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Até o momento, 12.476 profissionais de saúde foram vacinados, em um intervalo de 14 dias, todos voluntários.

A eficácia mostra que CoronaVac protegeu 100% contra casos leves e moderados de coronavírus. A hospitalização também foi evitada em 100% dos casos, de acordo com os dados apresentados. No caso do atendimento ambulatorial, foi efetivo em 78%.

- A apeesa pode até se infectar, mas se a doença não progredir, o hospital precisa rir - disse Dimas Covas, diretor do Butantan.

A Fiocruz também teve reunião ontem com a Anvisa, e há expectativa da apresentação do aplicativo de uso emergencial hoje. Como dois milhões de doses serão importadas do Serum Institute na Índia, novos documentos tiveram que ser apresentados. O imunizador apresentou eficácia geral de 70%, chegando a 90% entre os voluntários que receberam uma dose e meia. Os estudos com essa vacina já foram publicados na revista médica Lancet e analisados ​​pela Anvisa. Essa é a principal aposta do governo federal, que tem contrato para a fabricação de 200 milhões de doses por meio da Fiocruz.

Na mesma entrevista ontem, Pazuello afirmou ainda que o governo vai comprar a vacina da Janssen, braço farmacêutico da Johnson & Johnson, mas disse que ainda está a negociar o número de doses e o mês em que serão entregues.

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Para os cientistas, imunizar e planejar carecem de detalhes

Ana Letícia Leão

Daniel Gullino

Dimitrius Dantas

08/01/2021

 

 

Os dados dos produtos da Sinovac foram parcialmente apresentados e o governo precisa mostrar a estratégia, apontam os especialistas
 Após uma disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador paulista João Doria, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 46 milhões de doses do CoronaVac. O anúncio foi feito após a apresentação do resultado do teste apontando para 78% de eficácia do imunizante produzido pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. O instituto deve pedir à Anvisa autorização de uso emergencial hoje. A Fiocruz também deve solicitar a vacina da Oxford / AstraZeneca.

Os dados de eficácia do CoronaVac apresentados ontem pelo Instituto Butantan não seguiram os mesmos protocolos das outras vacinas já existentes contra Covid-19. Segundo a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão da Ciência, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e colunista do globo, o que se demonstrou foram apenas os resultados secundários e não os primários, como anunciaram os demais imunizantes.

Pasternak explica que os dados primários de eficácia de uma vacina são calculados levando-se em consideração o número de eventos (pessoas que adoeceram, independentemente de ter sido leve, moderado ou grave) no total de voluntários que foram vacinados com a dose de o imunizador, sem contar aqueles que receberam placebo.

- Esse número o Dimas não nos mostrou. Ele falou vários números de resultados secundários. Segundo ele, a eficácia foi de 78% para a prevenção de casos que precisam de atenção médica e de 100% para casos graves e óbitos. Mas o número geral que ele não deu. E isso é importante porque todas as outras vacinas funcionaram com esse número, e a CoronaVac também previu isso em seu protocolo - diz Pasternak.

A pesquisadora reafirma que desfechos secundários são importantes, já que a intenção da vacina é prevenir doenças graves e mortes. Mas diz que os resultados secundários têm menos poder estatístico, pois se referem a um número menor de pessoas.

- Precisamos desses dados completos para fazer uma avaliação mais eficaz.

O pesquisador fez um rápido relato a partir de informações prestadas por Dimas Covas após questionamentos feitos pela imprensa em entrevista coletiva, e alcançou um resultado de aproximadamente 63% de efetividade.

- Uma eficácia de 63% é muito boa, não sei porque ele não anunciou oficialmente esse número. Mas ele disse que era um número de memória, então não podemos dar com certeza.

Na visão de Helio Bacha, infectologista e consultor técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia, os resultados apresentados pelo Butantan são suficientes para garantir que o CoronaVac seja uma boa alternativa para auxiliar no combate à pandemia no Brasil.

- Os resultados dos testes, mesmo que em uma pequena amostra de pessoas, mostram que esta é uma vacina eficiente o suficiente para ser experimentada na "vida real" -dizer. Especialistas avaliam o anúncio da compra da CoronaVac pelo governo federal como uma medida para mostrar que a pandemia está sendo "levada a sério".

Para eles, com a compra de mais uma vacina, o Programa Nacional de Imunizações (P IN) precisa traçar um plano de vacinação. Até o momento, existe apenas um documento que aponta as intenções de vacinação e grupo prioritário, mas não define como será alogística ou quantas doses cada estado receberá.