O globo, n. 31931, 08/01/2021. Mundo, p. 21

 

Isolado e sob pressão, Trump condena invasão do Congresso

André Duchiade

08/01/2021

 

 

Após dispensas de auxiliares, ações para sua saída antecipada e críticas aos aliados, presidente faz discurso

 Próximo dia. Cercas são instaladas ao redor do prédio do Congresso, após a invasão; ministro e assessores deixaram o governo após ato condenatório
Cada vez mais isolado, enfrentando demissões de assessores e pressão para renunciar ou ser afastado do cargo, o presidente Donald Trump deu uma reviravolta em seu discurso na noite passada. Em um vídeo divulgado no Twitter, ele disse que o momento é de "reconciliação" e "cura" e condenou a invasão do Congresso por centenas de seus apoiadores na véspera. Trump disse que ficou indignado com as cenas de violência e garantiu ter enviado forças de segurança federais, incluindo a Guarda Nacional, para o Capitólio quando necessário - no dia anterior, ele foi acusado de ser lento para fazer isso.

- Os manifestantes que invadiram o Capitólio violaram o seio da democracia americana. Quem participou dos atos de violência não representa nosso país. Quem violar a lei vai pagar - disse ele no vídeo.

O presidente afirmou que buscou saídas legais para questionar os resultados da eleição presidencial vencida por Joe Biden e defendeu mudanças no processo de votação. Mas, pela primeira vez, ele não repetiu suas falsas alegações de fraude. Em seguida, ele reconheceu que em 20 de janeiro, um novo governo estará na Casa Branca.

"Meu objetivo agora é garantir uma transição pacífica de poder", declarou.

A mensagem veio um dia depois de Trump exortar seus partidários a invadir o Congresso para tentar barrar a certificação de vitória de Biden, uma manobra que lhe rendeu um desgaste político sem precedentes. Ele até foi banido do Twitter por 12 horas, por incitar à violência.

ABANDONANDO O NAVIO

Ontem, foram expressos temores bipartidários sobre a capacidade de Trump de não causar mais estragos em seus 12 dias restantes no cargo. O líder democrata no Senado, Chuck Schumer, exigiu a destituição do presidente, assim como da presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi. O governador republicano de Maryland, Larry Hogan, pediu que Trump renuncie e que o vice-presidente Mike Pence assuma o cargo.

D e pela manhã, em nota, Trump havia reconhecido pela primeira vez que deixaria a Casa Branca, mas havia repetido as denúncias de fraude que, durante meses, colocaram em xeque o sistema eleitoral e as normas democráticas americanas.

O presidente supostamente passou a noite de quarta-feira esboçando o que ele considera traições, de acordo com o The Washington Post. Vários de seus aliados, entre eles o vice Pence, confirmaram a vitória de Biden no Congresso na madrugada de ontem, depois que apoiadores de Trump foram expulsos, e condenaram a invasão do Capitólio, que deixou quatro mortos, incluindo uma mulher baleada.

Até o momento, apenas um legislador republicano, o congressista de Illinois Adam Kizinger, um crítico do presidente, se pronunciou a favor da remoção, juntando-se a mais de 100 democratas. O Washington Post e o The Wall Street Journal em editoriais fizeram apelos semelhantes, dizendo que Trump na presidência é uma ameaça para o país.

Ainda assim, o número de republicanos proeminentes condenando a posição do presidente está crescendo. O ex-secretário de Justiça William Barr, que renunciou no mês passado em meio a tensões sobre a ofensiva de Trump para reverter o voto popular, disse ontem que a conduta do presidente é uma "traição ao cargo e seus apoiadores" e que "orquestrar uma insurreição para pressionar o Congresso é indesculpável".

Em um tom semelhante, o atual vice-secretário de Segurança Interna, Chad Wolf, fez um apelo público para que o presidente condene a violência vista na quarta-feira. O pedido fez com que a Casa Branca revogasse o processo para efetivá-lo no cargo.

A secretária de Transportes Elaine Chao renunciou, na primeira baixa no governo em nível ministerial. Chao, esposa do líder republicano do Senado Mitch McConnell, disse que ficou "profundamente chocada" com a invasão do Capitólio.

No final do dia, a secretária de Educação Betsy DeVos também apresentou a renúncia em uma carta em termos fortes, na qual acusava Trump de incitar "manifestantes violentos que tomaram o Capitol" com o objetivo de minar a democracia. "Não há dúvida do impacto que sua retórica teve sobre a situação, e esse foi o ponto de inflexão para mim", disse ela. Também na quarta-feira à noite, ela disse no Twitter: "a transferência pacífica do poder é o que separa a democracia representativa americana das repúblicas das bananas".

Outros membros do governo também abandonaram o navio, o mais famoso deles é Mick Mulvaney, ex-chefe de gabinete de Trump que agora é enviado especial à Irlanda do Norte. Segundo ele, o presidente não é a mesma pessoa que "era há oito meses".

"Não pude continuar -" disse ele à CNBC.

Quem também renunciou foram o conselheiro adjunto de Segurança Nacional Matt Pottinger e Ryan Tully, o principal conselheiro do presidente para a Rússia. A secretária social da Casa Branca, Anna Cristina Niceta, e a chefe de gabinete da primeira-dama, Stephanie Grisham, foram outras que deixaram o governo.