Correio braziliense, n. 21048, 09/01/2021. Política, p. 2

 

A vacinação no caminho das eleições

Jorge Vasconcellos 

Wesley Oliveira 

09/01/2021

 

 

A disputa política em torno da pandemia da covid-19 subiu de temperatura em meio a pressões para que o governo inicie a vacinação nacional contra a doença. Os frequentes embates entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), deixam claro que o resultado da campanha de imunização, independentemente de qual for, poderá ter um peso importante nas eleições presidenciais de 2022.

Bolsonaro tem feito uma aposta bastante arriscada ao tentar desestimular a população a se vacinar, enquanto Doria comemora a possibilidade de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar o uso emergencial da CoronaVac — desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, órgão vinculado ao governo paulista.

Em uma das últimas ofensivas contra a vacina, Bolsonaro disse a um grupo de apoiadores, na quinta-feira, que menos da metade da população estaria disposta a tomar um imunizante em caráter emergencial, "que não tem segurança ainda".
Porém, enquanto tenta ofuscar o trabalho do governo paulista, Bolsonaro tem corrido contra o tempo na tentativa de colher os louros da campanha de vacinação. Pressionado pelo início da imunização em dezenas de países e pela dificuldade de importar diferentes vacinas em quantidade e tempo suficientes, o presidente acabou se vendo obrigado a comprar a CoronaVac. Na quinta-feira, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, anunciou a compra de 100 milhões de doses do imunizante produzido pelo Butantan.

O ministério afirmou, também, que estão asseguradas doses vindas da AstraZeneca (2 milhões), da Fiocruz (210,4 milhões) e do consórcio Covax/Facility (42,5 milhões). Ao todo, portanto, são 354 milhões de doses de vacina para serem distribuídas em 2021.
O governo também tentou "requisitar" todas as seringas e agulhas compradas pelo governo paulista, mas foi barrado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em um breve despacho na manhã de ontem, o magistrado deferiu uma medida cautelar proibindo o Executivo de adotar a medida (leia mais na página 4).

A postura adotada por Bolsonaro desde o início da pandemia tem servido para manter aceso o apoio dos bolsonaristas mais fiéis, que correspondem a cerca de 20% dos eleitores. No entanto, pode também trazer desgastes ao presidente junto ao restante dos brasileiros.

A atuação de Bolsonaro também tem sido fortemente criticada por virtuais candidatos à Presidência da República. Esse grupo inclui o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB); o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o ex-prefeito Fernando Haddad (PT); o ex-juiz Sergio Moro; o apresentador Luciano Huck; e o empresário João Amoêdo (Novo).

Grande efeito
O cientista político Paulo Calmon, professor da Universidade de Brasília (UnB), disse ser difícil avaliar qual será o peso das questões envolvendo a vacinação contra a covid nas próximas eleições, já que se trata de um processo ainda em andamento. Ele afirmou, porém, que se a campanha de imunização for malsucedida e ainda houver um alto número de casos da covid no final deste ano, "certamente esse fracasso será lembrado por todos e terá um grande efeito no resultado do pleito de 2022", com possíveis prejuízos para Bolsonaro.

"Já em um outro cenário hipotético, com uma redução considerável do número de casos da doença, o que poderia acontecer no primeiro turno da eleição? Um candidato como Doria poderia argumentar que ele se diferenciaria dos seus competidores por ter assumido um protagonismo muito importante na produção e distribuição da CoronaVac, demonstrando liderança, espírito público e competência. Isso poderia facilitar seu acesso ao segundo turno", avaliou.

Para Anatólio Vargas, historiador e cientista político pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a politização da vacina contra a covid-19 não é novidade e faz parte do jogo político brasileiro. "Quando tivemos a Revolta da Vacina, em 1904, houve os que aproveitaram o momento para crescer politicamente. Essa apropriação ocorre quando os políticos que estão nos cargos públicos não conseguem resolver o problema, e outros personagens se destacam", explicou.

Já Cassio Faeddo, advogado e especialista em relações internacionais, destacou que a condução do plano de imunização no Brasil terá impacto nas eleições de 2022. "O próprio Doria, o prefeito Alexandre Kalil (de Belo Horizonte) conseguiram o capital de solucionadores de problemas. Essa imagem de alguém que foi atrás de uma solução já está colada neles. E Bolsonaro ficou com a imagem da inércia e do negacionismo", frisou.

Questionado se isso poderá impactar no plano de reeleição de Bolsonaro, mesmo estando a quase dois anos do pleito, ele acredita que isso dependerá das outras forças políticas. "Trump (Donald Trump) vinha muito bem nos Estados Unidos, mas a condução que ele deu para a pandemia lhe custou a reeleição. Aqui, Bolsonaro depende da economia para se reerguer, e isso precisa da vacinação. Se a economia decolar, ele tem chances de ter fôlego na campanha", analisou. "Agora, paralelo a isso, os demais personagens da oposição precisam se organizar. Não sabemos se, com esse grupo fragmentado, como temos hoje, haverá chances de derrotar o presidente em 2022."

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Projeto criminaliza decretos de estados 

Renato Souza 

09/01/2021

 

 

Um projeto de lei apresentado na Câmara pretende proibir que prefeitos e governadores adotem medidas de isolamento social, ou editem decretos que limitem outros direitos sociais, como a liberdade de locomoção durante a pandemia do novo coronavírus. O texto foi apresentado, em maio, pelos deputados Major Fabiana (PSL-RJ) e Guilherme Derrite (PP-SP) e está sob avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Caso a proposta seja aprovada, os gestores dos estados e dos municípios poderiam sofrer processo de impeachment, se violassem a regra. Em abril do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que tanto a União quanto estados e municípios têm autonomia para adotar medidas sanitárias, como o fechamento de estradas e do comércio.

De acordo com a justificativa do projeto, direitos coletivos estariam sendo violados em todo o país. Gestores locais estariam suprimindo prerrogativas protegidas por cláusula pétrea (que não pode ser alterada na Constituição). "Ocorre que essa flexibilização de direitos fundamentais, sem qualquer parâmetro técnico e razoável, está sendo incutida em decretos de executivos regionais, muitos, inclusive, sem respaldo das Assembleias Legislativas. Em nome de medidas sanitárias, as autoridades administrativas revestem-se de uma falsa legitimidade e reverberam atos discricionários, sem qualquer demonstração de estudos científicos que lhes deem supedâneo", diz um trecho do texto.

Os deputados alegam que as medidas de isolamento só poderiam ser adotadas mediante Estado de Sítio, que seria decretado pelo presidente da República, com autorização do Congresso. "Destarte, o Constituinte Originário, ao traçar os desenhos da estrutura do Estado, vislumbrando situações extremas, possibilitou, em um regime de exceção, o Estado de Sítio, como medida última de preservação do Estado Constitucional, com flexibilização de direitos individuais e coletivos, por meio de um criterioso mecanismo formal, que visa blindar a adoção de medidas por um poder de maneira unilateral", completa o texto.

A proposta é que seja alterada a Lei do Impeachment para incluir o afastamento por violação de direitos coletivos em estado de calamidade pública. O isolamento social é a principal recomendação da comunidade científica para impedir a circulação em larga escala do novo coronavírus e conter a pandemia, com o objetivo de evitar que o sistema de saúde entre em colapso. Procurados pela reportagem para comentar o projeto, os deputados Major Fabiana e Guilherme Derrite não retornaram as ligações.