Valor econômico, v. 21, n. 5184, 08/02/2021. Brasil, p. A4

 

Bolsonaro terá de optar entre Anvisa e Congresso

Andrea Jubé

08/02/2021

 

 

Eventual veto do presidente à aceleração na aprovação de vacinas pela agência deverá ser derrubado pelos parlamentares

Pressionado a vetar dispositivos da medida provisória (MP) que abriu caminho para o uso emergencial da vacina russa Sputnik V no Brasil e de outros imunizantes chancelados por agências estrangeiras, o presidente Jair Bolsonaro terá de escolher se fica do lado do Ministério da Saúde e do Congresso, que estão atuando juntos, ou da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na batalha das vacinas contra a covid-19.

Se optar pelo veto, a predisposição do Congresso, agora sob o comando de seus dois aliados - Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado -, é derrubar o ato.

“O presidente sabe o melhor a fazer”, disse ao Valor o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). “Neste momento, a Anvisa está errada e o Congresso ouvirá as ruas”, reforçou.

No fim de semana, Barros voltou à carga contra a Anvisa, dessa vez em sua conta no Twitter: “Enquanto os papéis dormem, as pessoas morrem. A burocracia é uma forma de despotismo”.

Na sexta-feira, a Anvisa divulgou nota adiantando que recomendará à Casa Civil o veto ao artigo 5º da MP 1.003, aprovada na quinta-feira pelo Senado, que reduziu de dez para cinco dias o prazo para a agência autorizar o uso emergencial de vacinas aprovadas por pelo menos uma das principais autoridades sanitárias estrangeiras. Para a agência, a regra rebaixa o órgão ao nível de um cartório.

No relatório final da MP, os parlamentares ampliaram a relação das agências reguladoras estrangeiras cujas decisões devem nortear a Anvisa de quatro para nove, incluindo o Ministério da Saúde russo. Assim, pavimentou o caminho para autorização do uso emergencial da Sputnik V, a ser fabricada no Brasil pela União Química.

A lista em vigor até então contemplava as autoridades sanitárias de EUA, União Europeia, Japão e China. Além da autoridade russa, foram acrescentados os órgãos reguladores de Canadá, Reino Unido, Coreia do Sul e Argentina.

A Anvisa afirma que esse dispositivo “pode contrariar o interesse público já que, na forma da redação final, haveria uma imposição para a aprovação das vacinas sem a prévia análise técnica de segurança, qualidade e eficácia”.

“Um dos efeitos possíveis seria a existência de duas categorias de vacinas no Brasil, as que passaram pela avaliação do produto e toda sua cadeia produtiva e outras que não tiveram qualquer avaliação sobre origem dos insumos, condições de conservação e eficácia na população, pela Anvisa”, complementa o comunicado da agência.

O texto repudiado pela Anvisa, aprovado por deputados e senadores e que seguiu para a sanção presidencial, foi acordado com o Ministério da Saúde, lembrou um senador influente da base governista.

Nesse contexto, o impasse antagoniza as duas autoridades sanitárias do governo: o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que avalizou o texto aprovado, e o presidente da agência reguladora, Antônio Barra Torres.

Enquanto Pazuello está na berlinda, Barra Torres ganhou afago público recente de Bolsonaro. Pazuello terá de prestar esclarecimentos aos senadores sobre a explosão da pandemia no Amazonas, com os primeiros sinais de expansão da nova cepa do coronavírus pelo país, nesta semana. Em contrapartida, Bolsonaro convidou Barra Torres para aparecer ao seu lado em sua “live” da semana passada.

A Anvisa divulgou dois comunicados reagindo às críticas dos parlamentares de que a agência atua com lentidão e burocracia na análise dos pedidos de uso emergencial das vacinas. Antes de informar que recomendaria o veto ao dispositivo, alertou em documento anterior que a norma aprovada pelo Congresso Nacional era incomum.