Título: Caça a dissidentes políticos pára o país
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 27/02/2005, Internacional, p. A12

Direitos humanos são violados pela monarquia e por maoístas

O Nepal está vivendo uma ''catástrofe humanitária'' com a declaração de estado de emergência, imposto pelo rei Gyanendra em 1º de fevereiro. O alerta foi feito pela Anistia Internacional (AI).

- O conflito de nove anos entre rebeldes maoístas e forças do governo já havia destruído os direitos humanos no campo. Agora, o estado de emergência está acabando com as liberdades também nas áreas urbanas - afirmou a secretária-geral da AI, Irene Khan, que esteve no país entre 10 e 16 de fevereiro.

Segundo a organização, o estado de emergência aumentou a autoridade das forças de segurança, reduziu o prospecto de diálogo político para a paz e tornou mais provável o agravamento do conflito. Há toque de recolher em todas as cidades.

Em sua viagem, Khan constatou que a maioria dos líderes políticos, ativistas de direitos humanos, jornalistas e sindicalistas presos logo após a declaração do estado de emergência continuava na prisão, sem acusação formal, duas semanas depois. As detenções ocorreram principalmente dentro das cidades. A monarquia também instaurou censura aos meios de comunicação, vigiados pelo Exército, e uma operação de caça a políticos dissidentes. Muitos formadores de opinião estão escondidos ou fugiram do Nepal.

- Como em todo conflito, o cenário não é perfeito. Há violação de direitos humanos de ambos os lados litigantes. Mas o governo tem responsabilidades por ser Estado, não pode permitir abusos - afirma ao JB Kadirgamar-Rajasingham Sakuntala, chefe do programa asiático do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA).

O rei Gyanendra justificou que suas medidas ditatoriais são necessárias para massacrar a guerrilha, que luta pela substituição da monarquia por um governo socialista e controla grande parte da zona campestre do Nepal. Richard Whitecross, professor de Estudos Asiáticos da Universidade de Edimburgo, lembra entretanto que as reivindicação dos maoístas não páram na instauração de uma república.

- Eles querem a nacionalização de indústrias e finanças, inclusive com banimento de carros e filmes vindos da Índia. Também pedem uma nova Constituição, liberdade de expressão, eliminação da corrupção e direitos básicos, como educação e saúde gratuitas, acesso a água potável e a eletricidade - afirma Whitecross. - Ao mesmo tempo, acreditam na necessidade de um levante violento para fortalecer e desenvolver o compromisso com o ''movimento revolucionário''.

Em represália ao estado de emergência, os maoístas bloquearam várias estradas do Nepal. Os suprimentos de comida não chegam às aldeias himalaias. No meio da briga, quem mais sofre é o povo.

- Onde quer que eu tenha ido, encontrei muito medo, incerteza e insegurança entre as pessoas - contou Khan. - Quem reclama das atrocidades, tanto dos maoístas quanto do governo, é preso.

O cessar-fogo entre os rebeldes e a monarquia foi rompido em 2003. Desde então, denuncia a AI, houve um dramático aumento das violações dos direitos humanos, com casos de tortura, prisões, desaparecimentos, seqüestros e assassinatos justiceiros. Nas cadeias de Nepalgunj, Biratnagar e Kathmandu, prisioneiros relataram outros abusos cometidos contra civis por maoístas e pelo Exército, como estupro e o uso de crianças-soldados. E com o recente estado de emergência, a situação só tende a piorar.

- É difícil até imaginar uma retomada das negociações de paz agora. O governo aposta na solução militar, mas os rebeldes têm simpatia dos camponeses. A perspectiva é de banho de sangue - lamenta Sakuntala.