Correio braziliense, n. 21051, 12/01/2021. Brasil, p. 5

 

Vacinação será "no dia D e na hora H"

Maria Eduarda Cardim 

12/01/2021

 

 

Sem dar data ou horário para o início da vacinação contra o novo coronavírus, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse, ontem, apenas que a campanha de imunização começará "no dia D, na hora H", durante visita a Manaus –– cujo sistema de UTIs para atendimento ao novo coronavírus colapsou há dias. O general indicou, somente, que a imunização começará no Brasil três ou quatro dias após a aprovação do uso emergencial de algum fármaco contra a covid-19 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na semana passada, o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) protocolaram solicitações para o uso emergencial de seis milhões de doses da CoronaVac e dois milhões de doses da vacina de Oxford-AstraZeneca, respectivamente. Sendo assim, se aprovadas, o país terá 8 milhões de doses disponíveis.
"Todos os estados receberão simultaneamente as vacinas, no mesmo dia. A vacina vai começar no dia D, na hora H, no Brasil. No primeiro dia que a autorização for feita, a partir do terceiro ou quarto dia, estará nos estados e municípios para iniciar a vacinação. A prioridade está dada, é o Brasil todo. Vamos fazer como exemplo para o mundo. Os grupos prioritários estão distribuídos", anunciou Pazuello. Como não há uma data para o começo da imunização, a reunião com os governadores que estava marcada para hoje ficou para a próxima terça-feira (19).

O ministro reafirmou que o país pode iniciar a campanha em 20 de janeiro. Esta é a previsão otimista, salientada pelo general em outros momentos. Outros dois possíveis períodos previstos para início da imunização são entre os dias 20 de janeiro e 10 de fevereiro ou o prazo mais distante, que seria entre 10 de fevereiro e começo de março.

Pazuello também voltou a minimizar o atraso do Brasil na vacinação contra a covid-19. "Somem quantas vacinas foram aplicadas no mundo. Sabe quanto dá? A cidade de São Paulo. Somando todas, China, Estados Unidos, Israel, tudo. Você imuniza uma grande cidade, o resto não. E a gente tem que ouvir que estamos atrasados porque a gente não comprou 500 mil doses da Pfizer com essas pequenas cláusulas?", queixou-se. Até o momento, foram aplicadas 24,1 milhões de doses no mundo, sendo 9 milhões na China e 6,7 milhões nos Estados Unidos, segundo levantamento do Our World In Data, iniciativa da Universidade de Oxford.

O ministro salientou que, caso seja aprovado tanto o uso emergencial da vacina de Oxford quanto o da CoronaVac, o Brasil será o país que mais vai vacinar no mundo. "Os números estão distribuídos pelas três hipóteses: 2 milhões, 6 milhões ou 8 milhões agora para janeiro. Sabe o que vai acontecer se forem 8 milhões? Nós vamos ser o país que mais vai vacinar no mundo, e quero ver o que vão dizer", desafiou.

Dose única
Para ampliar a cobertura da vacinação, Pazuello disse que considera aplicar uma dose do imunizante no maior número de pessoas, antes de começar a oferecer a segunda dose. O ministro lembrou que a vacina de Oxford tem eficácia de 71% com apenas uma dose. "Talvez o foco seja não na imunidade completa, mas na redução da contaminação", justificou. A Fiocruz, no entanto, recomenda duas doses, em um intervalo de quatro e 12 semanas, mas lembra que cabe ao ministério definir o regime de aplicações.

A visita do ministro a Manaus foi motivada pela crise vivida na cidade, cuja rede de saúde colapsou. Ao participar do evento, que anunciou ações de reforço ao plano de contingência para enfrentamento da covid-19 do estado, Pazuello explicou que a solução para a crise vivida pela capital é diminuir a entrada de outras doenças nos hospitais.

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Butantan admite: há pendências 

12/01/2021

 

 

Após solicitar formalmente o pedido de uso emergencial da CoronaVac, o Instituto Butantan ainda precisa entregar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 5,5% dos dados da CoronaVac e complementar outros 50,9%. Ontem, ao admitir que há pendências na documentação, o instituto paulista indicou que enviará ainda nesta semana todas as informações à autarquia, para que possa prosseguir a análise do uso emergencial do imunizante.

No fim de semana, a Anvisa informou que ainda faltavam dados necessários à avaliação da CoronaVac. Já no caso da vacina de Oxford-Astrazeneca, a agência disse que o pedido da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) traz os documentos essenciais para a avaliação e que, a partir de então, iriam se aprofundar na análise dos dados. O governo de São Paulo tem questionado isso, sinalizando que haveria uma diferença no tratamento por questões políticas, visto que o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), são inimigos políticos.

"Por que uma vacina está OK, os dados estão completos, perfeitos, e a Anvisa ainda anuncia que pode antecipar a aprovação da vacina da Fiocruz, que pertence ao governo federal? Enquanto a vacina do Butantan, que está ligada ao governo de São Paulo, a relutância e o grau de exigência sobe?", indagou o governador João Doria, de São Paulo.

Doria afirmou que o Butantan encaminhou à Anvisa um relatório de 10 mil páginas e frisou que o instituto é a maior instituição científica para vacinas do Hemisfério Sul. Mas, a diretora do Butantan, Cintia Lucci, salientou que ainda estavam passíveis de complementação 48% das documentações do instituto. "A gente enviou todas as informações. Foi muito rápido, e faltam informações complementares", admitiu.

O diretor do Butantan, Dimas Covas, disse ontem que é "absolutamente normal" o pedido da Anvisa, mas questionou o princípio da igualdade da agência. "Não sei se o mesmo grau de exigência tem sido feito à outra solicitação. Acho que todas as vacinas têm que ser submetidas ao mesmo tipo de escrutínio, tanto da Anvisa quanto da esfera pública", cobrou. (MEC e ST)

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Normalidade é miragem, dizem especialistas 

Bruna Pauxis 

Israel Medeiros 

12/01/2021

 

 

Apesar de, na última semana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter começado a analizar duas vacinas para serem utilizadas em uso emergencial –– a CoronaVac, do Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac, e a da Fiocruz, em parceria com a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca ––, se os brasileiros pensam que voltarão à normalidade dos tempos pré-pandemia, devem se preparar para a decepção. Especialistas ouvidos pelo Correio são unânimes em afirmar que a sociedade ainda está longe disso.
De acordo com Eliana Bicudo, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a vacinação é importantíssima, mas os cuidados devem continuar. "Se a gente imunizar um número grande de pessoas, o vírus tende a circular menos. Mais pessoas vão ter anticorpos e menos pessoas vão adoecer", observou.
O problema, segundo ela, é que ainda não se sabe quanto tempo de imunidade as vacinas garantirão. "Por exemplo, a vacina contra influenza perde eficácia entre oito e dez meses. Mas o que a gente sabe, hoje, é que a vacina realmente produz anticorpos importantes. Isso vai ter impacto para o segundo semestre, porque será capaz de diminuir a circulação de pessoa para pessoa", afirmou, referindo-se à covid-19.

Para José David Urbaez, infectologista e diretor científico da SBI, a vacinação é uma estratégia que, para funcionar, exige imunização de boa parte da população e a consciência de cada um sobre cumprir as medidas de contenção do avanço do vírus durante esse período.

"O que sabemos é que em torno de 65 milhões a 70 milhões de doses estarão disponíveis ao longo de 2021, o que dá em torno de 30 milhões a 35 milhões de vacinados. Isso representa menos de 15% da população. Para garantir a eficácia, temos que vacinar 70% a 80%. É muito importante que as pessoas entendam que quando falamos de vacina, estamos falando de uma estratégia coletiva", explicou.

Urbaez acredita, ainda, que a sociedade não deveria se perguntar sobre a volta à normalidade, mas reconhece que a angústia leva todos ao questionamento. "O que se conhece da história das pandemias é que elas colocam a humanidade inteira em novos padrões de comportamento. Eu não sei se, em algum momento, voltaremos a ser uma sociedade igual a antes da pandemia. Sem dúvida alguma, durante o ano de 2021, precisaremos manter as medidas de proteção e diminuir nossa mobilidade. Isso é muito importante, embora até hoje não tenham entendido isso muito por conta do negacionismo predominante no poder central", criticou.

*Estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi