Título: Economia mantém o ritmo engessado
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Fonte: Jornal do Brasil, 30/10/2008, Opinião, p. A8
O mercado já comemorava de véspera, e ontem manteve o otimismo, diante da perspectiva de corte na taxa de juros praticada pelo Federal Reserve (Fed) ¿ que, de fato, se concretizou com a redução de 0,5 ponto percentual. O sinal do mercado foi claro: a benéfica contaminação das bolsas de valores mostra o elevado anseio da economia por notícias que possam contribuir para a redução dos impactos provocados pela crise financeira internacional. A queda dos juros é uma delas, talvez a principal neste momento em que todos os países se cercam de medidas de blindagem em um cenário de recessão, já identificado como duradoura.
A forte preocupação com a retração do consumo bate às portas de todos os governos ¿ do G-7, o grupo de países mais desenvolvidos, às nações em desenvolvimento. A China, por exemplo, já providenciou a redução dos juros em 0,27 ponto percentual. A iniciativa se repete em vários pontos do mundo. O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, admite a possibilidade de reduzir a taxa de juros na próxima reunião da autoridade monetária, que será realizada em 6 de novembro.
No Brasil, o presidente Lula vem se posicionando em duas frentes: de um lado, conclama os brasileiros a manterem os mesmos níveis de consumo (recorre até mesmo ao espírito natalino); de outro, convoca os bancos a assegurarem a oferta de crédito destinado ao mercado. Tais apelos, contudo, parecem incompatíveis com os rumos dados pelo Banco Central brasileiro, que ontem decidiu manter em 13,75% a taxa básica de juros, a Selic, contrariando a tendência internacional. Há uma contradição aparente entre a sugestão do Palácio do Planalto, da necessidade de mais crédito a ser despejado na economia de modo a garantir liquidez para enfrentar as turbulências externas, e as previsões de que até dezembro a Selic atingirá 14,25%, meio ponto percentual acima da registrada hoje.
O presidente pressionou as diretorias dos grandes bancos para uma reabertura dos fluxos de crédito. Recebeu respostas pouco animadoras. As instituições financeiras preferiram avisá-lo de que constroem muros de liquidez ¿ uma espécie de colchão próprio de proteção a um eventual agravamento da crise. Preferem recorrer aos títulos da dívida pública, atraídas pelos juros altos praticados pelo governo. A cobrança de Lula é compreensível: o governo ofereceu, garantiu, reduziu bastante o compulsório, e o dinheiro não voltou ao mercado.
A resistência dos bancos demonstra o papel relevante desempenhado pelas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). O corte dos juros americanos ofereceu alívio aos mercados. A decisão no fim do dia do BC, no entanto, pode significar a frustração de certas expectativas. Neste momento, a manutenção dos juros reflete negativamente na movimentação de crédito necessário ao crescimento econômico. Não há espaço, diante da crise financeira internacional que se avoluma, para um discurso que pregue a manutenção do aperto monetário como forma de conter o fantasma da inflação. É sabido que a economia vai sofrer uma natural contração, e não será pequena, nem mesmo passageira. Por isso, o medo de uma retomada da velha inflação já não faz sentido diante de um risco muito maior da paralisação da economia. Mas o discurso segue na contramão da tendência mundial e em nada acrescenta à proteção brasileira diante da crise.
Como afirmou ontem a Gazeta Mercantil, há liquidez empoçada pela resistência dos bancos em usar o recurso do compulsório (explicação para o alto custo do spread) para emprestar. O compulsório caiu, o spread subiu e o dinheiro não apareceu. Razão suficiente de trava para a atividade econômica, essa equação mudaria com a redução dos juros. Mas o BC ignorou.