O Estado de São Paulo, n.46377, 08/10/2020. Política, p.A4

 

STF retira Lava Jato de turma e leva ao plenário

Vera Magalhães

Paulo Roberto Netto

08/10/2020

 

 

Judiciário. Ações penais da operação serão julgadas pelos onze ministros e não mais por grupos formado por cinco magistrados; mudança é considerada vitória do presidente Fux

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que inquéritos e ações penais voltarão a ser julgados no plenário da Corte. A mudança foi aprovada pelos ministros em sessão administrativa. Na prática, a medida retira as ações penais da Lava Jato da Segunda Turma e encaminha para análise do plenário, formado pelos 11 integrantes do tribunal.

A alteração foi proposta pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, e pode ser considerada sua primeira vitória no comando da Corte máxima. A Segunda Turma é um colegiado que já impôs derrotas à Lava Jato e a alteração leva os casos da operação ao plenário às vésperas da aposentadoria do ministro Celso de Mello, que deixa o tribunal na próxima terça-feira.

A ação coordenada por Fux é também uma reação à articulação dos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli com o presidente Jair Bolsonaro que levou à indicação do desembargador Kassio Marques para a cadeira de Celso de Mello.

Na prática, a mudança deverá afetar decisões individuais em processos criminais e julgamentos de repercussão nas turmas. O caso do habeas corpus da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pede que o ex-juiz Sérgio Moro seja considerado suspeito, porém, continuará na Segunda Turma, pois se trata de um recurso a uma condenação. Caso seja aceito, o habeas corpus pode anular a condenação do líder petista no caso do triplex do Guarujá (SP).

Fux pegou de surpresa o grupo comandado por Gilmar e Toffoli, que articulara o enfraquecimento sistemático das investigações e já vinha se preparando para que, com a aposentadoria do decano, Toffoli pedisse transferência para a Segunda Turma. Neste caso, haveria maioria composta por Gilmar, Toffoli e Lewandowski para decidir o habeas corpus de Lula contra Moro.

Durante a sessão de ontem, Gilmar reclamou que os demais ministros não foram avisados previamente que iriam votar uma alteração no regimento. Fux elaborou emenda para revogar trechos do regimento interno que previam a competência das turmas para julgar ações penais contra autoridades com foro privilegiado.

"Reformas regimentais devem ser primeiro avisadas aos ministros para serem discutidas. De fato, não faz sentido a gente chegar do almoço e receber a notícia de que tem uma reforma regimental a ser votada", disse.fux rebateu afirmando que já foram votadas "inúmeras propostas regimentais no momento imediato". Gilmar, que não se opôs à decisão, fez a ressalva de que os ministros deveriam ser avisados. "Tome esse cuidado em relação aos colegas. Porque senão, então vamos fazer um Ato Institucional e passa-se a fazer dessa forma. Não é assim que se procede."

A medida estava em vigor desde 2014, quando o Supremo dividiu a análise das ações penais, como uma solução para liberar a pauta do plenário, que havia se concentrado por seis meses no julgamento do mensalão.

Segundo Fux, o plenário tem condições de retomar a análise das ações penais por causa da "redução substancial" dos inquéritos em tramitação no STF e a expansão do plenário virtual, plataforma online em que os ministros depositam seus votos ao longo de uma semana de julgamento. Com a pandemia, o uso da ferramenta foi expandido.

Turma. Em agosto, levantamento do Estadão apontou que, em sessões sem a presença do decano, o placar de casos da Lava Jato no colegiado foi de 2 a 2, cenário que beneficia os réus.

O empate entre as duas alas da Segunda Turma já resultou em decisões contrárias à Lava Jato, como ocorreu quando Celso tirou licença médica e os ministros julgaram um processo que buscava anular sentença de Moro no caso Banestado. A atuação do então juiz foi considerada parcial por Gilmar e por Lewandowski, que sinalizaram votar da mesma forma no pedido de suspeição apresentado por Lula. Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram para manter a sentença. O empate levou à anulação da sentença de Moro.

Outro processo sem previsão de julgamento na turma é a ação em que o Ministério Público do Rio contesta a decisão do Tribunal de Justiça do Estado, que garantiu foro privilegiado ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-rj) no caso das suspeitas de "rachadinhas" (apropriação de salário de funcionários) em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.

No início do ano, outros dois empates na Segunda Turma tiraram processos criminais da Operação Lava Jato e mandaram os casos para a Justiça Eleitoral. Os inquéritos envolviam o ex-secretário de Transportes do Rio de Janeiro Júlio Luiz Baptista Lopes e o ex-senador Paulo Bauer (PSDB-SC).

'Discutidas'

"Reformas regimentais devem ser primeiro avisadas aos ministros para serem discutidas."

Gilmar Mendes

MINISTRO DO STF E INTEGRANTE DA SEGUNDA TURMA DA CORTE