Título: A força conservadora no Irã
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 27/02/2005, Internacional, p. A14

Nova geração de políticos pragmáticos se fortalece com o fracasso da utopia reformista

Na última quinta-feira, o aiatolá iraniano Akbar Hashemi Rafsanjani, de 71 anos, anunciou que está pronto para se juntar ao rol de candidatos à presidência do Irã, sem, no entanto, assumir de fato que é pretendente ao cargo. Rafsanjani, duas vezes presidente do país, chefe do Conselho do Discernimento e assessor do aiatolá Ali Khamenei ¿ sucessor de Ruhollah Khomeini ¿, optou pela política do ¿não quero, mas se vocês quiserem...¿. Na verdade, é um concorrente de peso nas próximas eleições presidenciais no Irã, marcadas para 17 de junho. É também um expoente da atual força dos conservadores, que devem repetir a vitória do pleito de fevereiro e maio (2° turno) de 2004, quando levaram 2/3 dos 290 assentos no Majlis ye-Shura-ye-Eslami (o Parlamento), depois que o poderoso Conselho dos Guardiões desqualificou mais de 2 mil candidatos reformistas. Em 2004, os conservadores retomaram o controle do Majlis após terem perdido a casa quatro anos antes, pela primeira vez desde a revolução de 1979. A decepção dos iranianos com a gestão reformadora do presidente Mohamed Khatami, a confiança de uma geração de pragmáticos que lutaram na guerra Irã-Iraque e a influência do Conselho dos Guardiões têm favorecido a volta ao poder dos conservadores no Irã, depois que o mundo respirou a esperança da eleição, em 1997, de um chefe de Estado reformista, em um país que desenvolve um programa nuclear suspeito, prende jornalistas e acaba com festas como as do Norte de Teerã, parte velha e badalada da capital, onde o pecado é a reunião, entre umas e outras, de jovens de ambos os sexos.

¿ Os reformistas serão marginalizados nas próximas eleições presidenciais no Irã. Será o pleito menos competitivo da história da República Islâmica ¿ afirmou, ao JB, o professor Bahman Baktiari, especialista em política iraniana da Universidade de Maine, nos Estados Unidos. ¿ Ao mesmo tempo, os 160 mil soldados americanos estacionados no vizinho Iraque e o discurso agressivo da Casa Branca contra Teerã não ajudam os reformistas. Hoje no Irã, há um ambiente no qual as elites dirigentes estão preocupadas com as questões de segurança. Os clérigos estão inquietos com o fato de o país estar recebendo tanta atenção negativa de Washington.

Não à toa, outro forte candidato é o jovem prefeito de Teerã, Mahmoud Ahmadi Nazhad, líder de um grupo que vem sendo comparado aos neoconservadores americanos. Nazhad é bem relacionado com a Guarda Revolucionária e prega a união entre a religião e o pragmatismo econômico, muitas vezes com resquícios do nacionalismo do ex-primeiro-ministro Mohamed Mossadegh (1951-1953), derrubado pelas inteligências britânica e americana, que colocaram a monarquia de volta ao poder com o xá Mohamed Reza Pahlevi.

A candidatura de Nazhad quebra o tabu do distanciamento tradicional da Guarda Revolucionária da política. Quando tomou posse na capital, disse que ¿não só o povo de Teerã¿, mas toda a nação estaria feliz ¿que uma nova equipe de administradores tenha chegado ao poder¿.

Outro que vem de Teerã é Ahmad Tavakkoli, representante da capital no Majlis. Foi candidato duas vezes e afirmou que não abre mão de tentar mais uma, mesmo que Rafsanjani ¿ talvez o favorito ¿ decida oficialmente concorrer. Tavakkoli estudou em Londres e é Ph.D. em economia. É um crítico do capitalismo e prega ampla intervenção do Estado no mercado.

¿ É uma nova geração de políticos ¿ disse Patrick Clawson, vice-diretor do Washington Institute for Near East Policy. ¿ Muito ideologizados, muito autoconfiantes, uma combinação perigosa, em especial no que diz respeito ao programa nuclear do país.

Segundo o analista Robin Wight, do jornal The Washington Post, há pelo menos quatro tipos de conservadores hoje no Irã. O grupo mais influente representa ¿a nova direita¿, foi muito bem-sucedido nas últimas eleições parlamentares e mistura teocracia com desenvolvimento e modernidade. Há também os ¿conservadores ideológicos¿, os ¿kayhanis¿, ligados ao jornal Kayhan. Os ¿pragmáticos¿ se preocupam com a economia, com o crescimento e não sofrem tanta influência da religião quando os neoconservadores. Os ¿tradicionais¿ tendem a se manter afastados da política.

Do lado reformista, pesa ainda a divisão entre dois candidatos fortes: o ex-parlamentar Mehdi Karrubi e o ex-ministro da Educação Mostafa Moin, que deixou o governo em protesto contra a falta de mudanças. Hoje, no Irã, o fracasso da utopia elege conservadores.