Correio braziliense, n. 21052, 13/01/2021. Brasil, p. 5

 

Uso emergencial: sinal verde pode vir domingo

Maria Eduarda Cardim 

Sarah Teófilo 

13/01/2021

 

 

A diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se reúne, no próximo domingo, para decidir sobre os pedidos de autorização para uso emergencial das vacinas CoronaVac, do Instituto Butantan com a farmacêutica Sinovac, e do imunizante da Universidade de Oxford e da AstraZeneca, que será replicada no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A expectativa é de que seja anunciada a liberação dos dois medicamentos faltando um dia para o fim do prazo, de 10 , previsto em lei para que a agência analise a autorize os imunizantes.

A Anvisa ressaltou, em comunicado divulgado ontem, que os documentos que faltam ser entregues pelas duas instituições de pesquisa precisam ser enviadas para análise, pois, do contrário, pode haver atrasos no anúncio da liberação para uso emergencial. Até ontem à tarde, segundo o painel de controle da Anvisa, 14,4% da documentação da Fiocruz estavam pendente de complemento.

Já o Butantan ainda precisava entregar 5,5% da documentação, e complementar outros 37,6%. O diretor do instituto, Dimas Covas, frisou, ontem, que demandas por parte da Anvisa extras são esperadas.

Eficácia da vacina
Após questionamentos sobre o percentual de cobertura da CoronaVac, anunciada na última semana, o Butantan e o governo de São Paulo divulgaram ontem que a eficácia global do imunizante contra a covid-19 é de 50,38%. Na semana passada, havia sido anunciada uma abrangência de 78% para casos leves e de 100% para graves, mas estes números são recortes do estudo do medicamento. Observando toda a amostra, chega-se à eficácia geral, que é o principal indicador da pesquisa e cujo número é menor.

Assim, os números mostram que a vacina protege pouco mais da metade das pessoas contra o vírus. O índice atende à cobertura mínima recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 50%, percentual que também é adotado pela Anvisa. Conforme estudo, dos voluntários vacinados com a CoronaVac que contraíram o vírus, 77,96% não manifestaram nem sintomas leves da doença.

Apesar de o governo de São Paulo ter indicado que a eficácia da vacina em casos graves e moderados é de 100%, o diretor-médico de pesquisa do Butantan, Ricardo Palácios, disse que o significado estatístico desse número não é válido, porque o número de infectados que precisaram de hospitalização no total é pequeno: não houve nenhum caso grave de covid-19 no grupo que recebeu a vacina, em comparação com o grupo que recebeu placebo, com sete casos graves.

Na entrevista do Butantan, foram convidados diversos especialistas para comentarem os estudos. Sérgio Cimerman, médico infectologista do Hospital Emílio Ribas, destacou que "os dados (da coberturea global da CoronaVac) podem saltar aos olhos da população e de outras pessoas como baixo, mas não é".

Já Natália Pasternak, bióloga e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), frisou que não é preciso dizer "que essa é a melhor vacina do mundo". "A gente tem que dizer que essa é a nossa vacina, uma vacina possível, uma boa vacina", ressaltou.

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Entrevista - Nísia Trindade 

Carinne Souza 

13/01/2021

 

 

Para a doutora em sociologia e presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade, 2021 só começa depois que a vacinação contra a covid-19 tiver início, e é por causa disso que a instituição está trabalhando para “vacinar todo mundo kogo” –– o primeiro passo disso foi dado, há poucos dias, com a solicitação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o uso emergencial do imunizante produzido pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca que, em breve, será reproduzido em solo nacional.

“Vamos poder vacinar o mais rapidamente possível, seguindo todos os requisitos impostos pela Anvisa”, disse Nísia, que, na última segunda-feira, foi reconduzida à presidência da Fiocruz para mais três anos de mandato. A seguir, trechos da entrevista ao Correio.

Com a aprovação da Anvisa para uso emergencial, qual o próximo passo?

Muito tem sido feito de forma simultânea para pouparmos tempo. Fizemos as aquisições das doses, estamos analisando com o laboratório (Instituto Serum, da Índia) a possibilidade de essas doses virem o mais rapidamente possível –– a previsão é para o dia 20. Estávamos trabalhando para trazer a vacina antes mesmo da aprovação. A partir disso, vai depender dos movimentos do Ministério da Saúde, que coordena o Programa Nacional de Imunização (PNI), e distribui de acordo com aquele critério de priorização de grupos que já foi apresentado. A nós cabe cuidar da vacina, entregar e contribuir para o início da vacinação. E vale lembrar que essa iniciação pode começar de forma convergente com outros imunizantes, como é o caso da CoronaVac.

O presidente Jair Bolsonaro enviou à Índia um pedido para antecipar a chegada dessas doses. É possível que chegue antes do dia 20 ao país?

Nossa meta é que chegue até o dia 20. Acredito que esse (pedido de Bolsonaro) é um procedimento para mostrar a importância da vacinação do ponto de vista do governo. Todo mundo está preocupado com prazos e nós também estamos. É uma prioridade vacinar todo mundo logo, mas é importante ter uma sustentação dessa vacinação, e isso só é possível com produção nacional. Também é importante chamar a atenção para os aprendizados com a pandemia. Nem todas as doenças têm vacinas. Temos que ter pesquisas continuadas e, no caso de entregas de vacinas à sociedade, uma estrutura de oferta. Daí a importância dos laboratórios nacionais, como a Fiocruz e o Butantan.

A produção da vacina foi rápida?

Muitas pessoas falam isso e se questionam se não existem riscos, já que foi produzida de forma muito rápida. Precisamos considerar algumas coisas. Primeiro, essas vacinas não estão surgindo do nada; vêm de pesquisas que estavam em desenvolvimento para outros coronavírus. Existe uma história de ameaça de novas doenças emergentes, como dizemos, que tem pelo menos 20 anos. Mas o fato de ter essa pesquisa desenvolvida na Universidade de Oxford, com essa tecnologia nova de vetor viral para outros coronavírus, permitiu o rápido desenvolvimento. O Brasil tem avançado muito nisso e existem grupos de excelência no país que desenvolvem esses ensaios. Além disso, aqui é quase que um laboratório para testagem dessas vacinas, devido à quantidade de infectados. Mas não é só isso: o país possui instituições com experiência, que podem participar dessas pesquisas de Fase 3, como é o caso da nossa vacina, que tem tido essa etapa coordenada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) junto com vários parceiros que apoiam a iniciativa. É uma grande esperança. Para mim, e acredito que para grande parte dos brasileiros, o ano só vai começar depois da vacinação.

Para a produção aqui no Brasil, o que se pode esperar?

A incorporação dessa tecnologia que, a partir do segundo semestre, estamos dominando. Outro dado é que ela é uma vacina muito adequada, se pensarmos pela política de saúde pública: mostrou-se eficaz e segura, de baixo custo, e isso é um elemento muito importante não apenas para o Brasil, mas para outros países em desenvolvimento e para os de baixa renda e sem estrutura de produção, como nós temos. É a vacina que mais possui acordos firmados no mundo. Também considero importante que, além de dominarmos a tecnologia, o imunizante tem uma eficácia de 73% com a primeira dose e uma melhor resposta das pessoas com um intervalo entre 8 e 12 semanas, tempo de produção de anticorpos e células imunes. Vamos entregar, ainda este ano, 210,4 milhões de doses. Nossa expectativa é de que as primeiras entregas aconteçam em fevereiro. O início é sempre mais difícil, temos testes e ajustes para fazer, mas, até abril, nossa previsão é de uma entrega de 50 milhões de doses.

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi