Título: Tráfico distribuiu livros
Autor: Gustavo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 27/02/2005, Rio, p. A17

Escritor rompe o silêncio após prisão de líder comunitário da Rocinha

A prisão do líder comunitário William de Oliveira, presidente da Associação de Moradores da Rocinha, levou o escritor Júlio Ludemir a quebrar o silêncio de um ano e revelar detalhes inéditos de seu livro Sorria, você está na Rocinha, lançado ano passado pela Editora Record. Na ocasião do lançamento, Ludemir teve que sair do Rio devido a ameaças de traficantes, policiais e líderes comunitários, irritados com as denúncias em forma de ficção presentes no livro, que revelavam a ligação de líderes comunitários com traficantes de drogas. Um ano depois do exílio, ele descobriu que um ligeiro aumento na venda de seus livros em estabelecimentos da Zona Sul do Rio tinha um motivo peculiar.

- O Lulu (traficante Luciano Barbosa, morto em abril de 2004), chefe do tráfico na época, mandou comprar 300 exemplares. Distribuía com a mensagem ''Leia e espalhe''. A Rocinha leu e não gostou - disse o escritor, que começou a ir até a favela quando era letrista da banda Gana.

Ludemir diz que William, preso na quarta-feira, aparece no livro como o personagem MC, descrito como um líder da favela que funciona como um elo entre o tráfico e a sociedade organizada.

(...) O MC era o próprio tráfico. Tinha como missão supervisionar a favela para o cara, do qual se orgulhava de ter o telefone vermelho. Acionava-o, por exemplo, todas as vezes que os aribans entravam de surpresa na favela. Era candidato à presidência da UPMMR, a principal associação de moradores da Rocinha. (....).

De volta ao Rio, Ludemir confirma que a primeira parte do livro, onde está o trecho acima, é toda baseada em casos reais.

- A parte três é romance. Mas a primeira é toda jornalística. William, ou DJ, como é conhecido, andava com sete telefones celulares.

O escritor vê a atuação das organizações não-governamentais nas favelas como passiva de críticas, e também de suspeitas:

- Se hoje até a venda de gás tem ingerência do tráfico, os estabelecimentos comerciais e as casas alugadas têm alguma relação. Como uma ONG pode estar na favela e se mostrar absolutamente sem relação com os traficantes?

Ele critica o fato de William já ter em sua defesa o advogado Alexandre Dumans, um dos mais importantes criminalistas do país.

- Quem paga um advogado destes? Eu ficaria contrariado se fosse uma ONG. Hoje em dia ser liderança comunitária é a mesma coisa que dizer ''eu não sou nada, mas sou liderança comunitária''. Depois dos acontecimentos da Semana Santa de 2004, o William ficou sendo uma espécie de Darlene (personagem da nova Celebridade, da Rede Globo), que não perdia uma oportunidade de aparecer.