Correio braziliense, n. 21055, 16/01/2021. Economia, p. 6

 

Isenção de IR fica apenas na vontade

Vera Batista 

Fernanda Strickland 

16/01/2021

 

 

Depois de declarar, na semana passada, que o Brasil "está quebrado" e, por isso, não conseguiria corrigir pela inflação a tabela do Imposto de Renda, o presidente Jair Bolsonaro mudou o discurso. Disse que a iniciativa não foi possível em 2020 por causa da pandemia, mas que pretende aumentar, em 2022, a faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 3 mil por mês. "Gostaríamos de passar pra R$ 5 mil. Não seria de uma vez toda, mas daria para até o fim do mandato fazer isso aí. Não conseguimos por causa da pandemia. Nós nos endividamos em mais R$ 700 bilhões, não deu pra atender. Vamos ver se, pro ano que vem, pelo menos, passe de R$ 2 mil para R$ 3 mil", disse o presidente, durante live na noite de quinta-feira. O plano de Bolsonaro, entretanto, não é novo. Estudo do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), de 2018, já propunha que o limite de isenção fosse imediatamente corrigido para R$ 3 mil.

Com o aumento de 4,52% na inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em 2020, a defasagem acumulada saltou para 113,09%, entre 1996 e 2020. Nesses 24 anos, a variação do IPCA somou 346,69%, enquanto os reajustes nas faixas de cobrança do IR foram de 109,63%, resultando em uma diferença de 113,09%. "A correção da tabela não é apenas uma questão de justiça, mas é fundamental para a economia nesse momento de crise. É dinheiro na veia do consumidor, sobretudo, para os assalariados, que já pagam muito imposto", afirma Kleber Cabral, presidente do Sindifisco. Ele diz, ainda, que é preciso compensar a perda de arrecadação.

"Alcançar o andar de cima, a elite econômica que paga pouco ou nada de IRPF (é fundamental), já que os lucros e dividendos no Brasil são isentos de imposto. O estudo de 2018 propõe, também, reduzir o IRPJ em cinco pontos, o que traz estímulo para o reinvestimento dos lucros na atividade econômica, enquanto hoje a indução tributária é na direção da distribuição dos lucros aos acionistas", reforça Cabral. Outras medidas sugeridas, como o fim da dedução de juros sobre capital próprio e a tributação dos lucros ao exterior, mostram, acrescenta Cabral, "os caminhos para reequilibrar o peso da carga tributária de forma mais justa, sem comprometer as contas públicas".

O educador financeiro Ruda Lins explica que a projeção inicial do governo era aumentar a isenção para quem ganha até R$ 5 mil, mas causaria um impacto significativo na economia e seria inviável. Na perspectiva do consumidor, os R$ 3 mil representam um ganho plausível. "Aquece o mercado. As pessoas terão mais poder de compra e a receita ganha nos trabalhos informais pode ser exposta com mais tranquilidade", afirma.

Lins analisa que o peso nas finanças públicas dessa melhoria para o contribuinte pode ser perfeitamente ajustado a partir de um estudo antecipado de mercado. "Já no processo de distribuição de renda e circulação da moeda, será um ganho para a população, visto que os entrarem na faixa de isenção terão um custo a menos no orçamento anual e esse valor pode ser revertido para bens ou serviços que potencializem mais ainda a receita familiar", acrescenta.

João Victor Gonçalves, analista de conteúdo na Empreender Dinheiro, ressalta que correção da tabela "é um bom modo de evitar que as rendas disponíveis dos contribuintes diminuam e é grande a possibilidade de aumento no consumo ou na poupança". A medida vai, também, estimular os negócios. "O sistema tributário progressivo vai recolher recursos extras nos níveis de renda mais elevados. Com isso, não acarreta prejuízo para o Fisco ou alta substancial da dívida pública", esclarece.

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Pressão para adiamento de impostos 

Marina Barbosa 

16/01/2021

 

 

Diante do recrudescimento da pandemia de covid-19, cresce a pressão para que o governo federal retome algumas das medidas que ajudaram a reduzir o impacto do novo coronavírus no caixa das empresas ao longo de 2020. A ideia em estudo na equipe econômica é, portanto, reeditar ações que não tenham impacto fiscal, como o diferimento de impostos.

O diferimento de impostos representa o adiamento, sem multas, dos recolhimentos tributários. Por isso, reduziria os gastos das empresas neste momento de incertezas, em que muitas atividades estão tendo que fechar as portas novamente por conta do novo coronavírus e que o consumo já começa a desacelerar devido ao fim do auxílio emergencial e da alta do desemprego.

No ano passado, o diferimento representou um alívio de caixa de R$ 48,1 bilhões para o setor produtivo. É que contribuições referentes aos meses de março, abril e maio, como as contribuições patronais para a Previdência, o PIS/Pasep, a Cofins, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Simples Nacional, puderam ser pagas em outubro, novembro e dezembro.

Para o governo, o diferimento de impostos também não representa um gasto novo, como ocorre com os acordos de redução salarial e o auxílio emergencial, que, por isso, não foram renovados neste início de ano. Tanto que, no ano passado, foi anunciando logo no início da pandemia, antes da aprovação do Orçamento de Guerra, que permitiu ao governo ampliar os gastos no combate à covid-19.

Por conta disso, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já admitiu a possibilidade de o adiamento de impostos entrar no plano que tentará "calibrar" a "aterrisagem" do auxílio emergencial. "Não descartamos, ainda, ferramentas que temos dentro do teto, completamente dentro do teto, e que, inclusive, usamos antes da PEC de Guerra. Temos capacidade de antecipar benefícios, diferir arrecadações. Temos várias ferramentas que vão permitir calibrar a aterrissagem lá na frente", afirmou Guedes, em audiência realizada pelo Congresso Nacional no fim do ano passado.

Segundo fontes da equipe econômica, a antecipação do 13º salário dos beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e do abono salarial já está quase certa. Por isso, um dos empresários que acompanham a negociação diz que também há uma possibilidade real de o governo autorizar um novo diferimento de impostos. "É uma medida de flexibilização, não tem dispêndio de dinheiro", reforçou uma fonte do Sebrae, que vai reforçar o pedido pela postergação da cobrança tributária em ofício a ser enviado até segunda-feira para o Ministério da Economia.

Auxiliares de Guedes, no entanto, ressaltam que a questão ainda está em estudo. Afinal, o diferimento não amplia os gastos, mas muda o fluxo de arrecadação do governo. Além disso, é neste primeiro quadrimestre que vence boa parte da dívida da União.

R$ 48,1 bilhões

Valor que o setor produtivo pôde remanejar com o diferimento de tributos em 2020