Título: Beleza decantada aos lusitanos
Autor: Danyella Proença
Fonte: Jornal do Brasil, 27/02/2005, Brasília, p. D3

Os poucos meses que antecedem o aniversário de Brasília chamaram a atenção da imprensa do além-mar. A originalidade arquitetônica da Capital Federal ganhou uma homenagem pra lá de especial, no início deste mês, no Diário de Notícias, principal jornal de Portugal. Seis páginas inteiras foram dedicadas à obra arquitetônica e urbanística que é Brasília, para o sabor público lusitano. O jornalista Luís Maio atravessou o oceano e chegou em Brasília em meio a um fogo cruzado. Maio ficou curioso com o fato de muitos brasileiros demonstrarem orgulho pela ousadia da capital do Brasil, mas não terem grande entusiasmo em conhecê-la e suas peculiaridades.

Se quem é de fora acusa Brasília de ser uma cidade fria e pouco hospitaleira, os habitantes daqui se defendem, dizendo se tratar de um estereótipo difundido pela mídia. Diante desse impasse, o jornalista português saiu pelas ruas, para tirar sua própria conclusão sobre a identidade de Brasília.

Mas desvendar a cidade não é lá tarefa muito fácil. O poeta Nicolas Behr, figura tarimbada de Brasília surgido na década de 1970, precisou inventar uma cidade paralela, ''Braxília'', para se encontrar diante da incessante questão. Como o poeta define, uma cidade ''não-poder'', ''não-oficial'', ''não-Brasília'', distante da frieza difundida País afora.

Com a ânsia de encontrar a intersecção entre essas duas cidades, o jornalista português lançou a pergunta: será que com a proximidade de seus 45 anos, Brasília vai ganhar uma identidade própria e definida? O que estaria por trás das linhas poéticas-esculturais dos edifícios, ou mesmo dos eixos que se cruzam, enquanto pessoas raramente se encontram em seu percurso?

Luís Maio percorreu os principais pontos turísticos de Brasília. Lançando um olhar sensível e ao mesmo tempo objetivo sobre o que viu, o jornalista elogiou a inovação e o caráter futurista da cidade, mas criticou sua falta de funcionalidade. Segundo ele, ''Brasília foi um êxito em termos de arquitectura e de marketing político, mas um fracasso em termos humanos e ecológicos''.

A população acima do que fora inicialmente previso no projeto original; o apartheid social chancelado pelas cidades-satélites; a forte separação entre pedestres e automóveis, motivada pelos amplos espaços vazios; o sistema de transporte público deficiente; as áreas comerciais e de trabalho concentradas longe das áreas residenciais; a distorção entre as primeiras construções do Plano Piloto, com um ar descrito como ''deliciosamente kitsch'', e as novas construções imponentes.

Os problemas listados pelo jornalista Luís Maio não foram poucos, mas parecem pequenos perto de seu deslumbramento diante de Brasília. Se ele conseguiu desvendar a cidade, a matéria do Diário de Notícias não mostra. Mas as palavras do jornalista testemunham o impacto da cidade sobre ele: ''Brasília é um objecto cultural único, insólito e desconcertante, que merece seguramente uma visita... entre a realidade e a fantasia''.